Mariana Reis é administradora de empresas e educadora física. É pós-graduada em Gestão Estratégica com Pessoas e em Prescrição do Exercício Físico para Saúde. Atua como consultora em acessibilidade e gestora na construção e efetivação das políticas públicas para a pessoa com deficiência em Vitória

Nataldemia: como escapar dos protocolos natalinos

Para alguns, se mantêm o hábito de ver o Natal como uma forte promoção mercadológica, quase obrigatória, na qual a compra de algum presente é uma exigência de demonstração de afetividade, sob pena de sofrer alguma sanção moral e afetiva

Publicado em 22/12/2020 às 05h00
Atualizado em 22/12/2020 às 05h03
Varanda com vasos e o sol
Tenho plantas por todos os cantinhos e à mesa, mal tenho espaço para apoiar minha xícara de café, que saboreio calmamente enquanto o dia e as ideias clareiam. Crédito: Shutterstock

São tempos difíceis, os nossos. A morte dos amigos, dos artistas, dos familiares, dos 185 mil brasileiros. Tenho amigos doentes e tenho uma emboladeira de sentimentos aqui dentro do peito. O Brasil esteve em chamas nesses quase 365 dias. Hoje, o elemento é água que escorre afogando os sonhos e desejos daqueles que ainda encontram forças para abrir os olhos pela manhã. Tenho tudo à  flor da pele durante o ano que se vai.

Nosso 2020 foi desafiador e tudo que temíamos era a chegada do Natal com todos nós ainda submersos na pandemia. E como o tempo é imbatível, eis que o Natal bate à porta. Para alguns, se mantêm o hábito do “velho mundo” – costumo chamar assim depois que veio a pandemia –, do Natal que há tempos é uma forte promoção mercadológica quase obrigatória, na qual a compra de algum presente é uma exigência de demonstração de afetividade, sob pena de sofrer alguma sanção moral e afetiva. E não é nada fácil escapar dos tais protocolos natalinos. Vale até ignorar os protocolos de segurança sanitária para não perder o peru da ceia.

Todas as manhãs vou até a varanda para ouvir o silêncio que tem por aqui antes do sol chegar. Não sei a razão, mas tenho acordado antes dele. Tenho plantas por todos os cantinhos e à mesa, mal tenho espaço para apoiar minha xícara de café, que saboreio calmamente enquanto o dia e as ideias clareiam. Tem pisca-pisca por todo o vidro, anunciando a luz em tempos escuros. E tem um Papai Noel feito com palito de churrasco fincado no vaso de cactos.

Olho pra ele sempre que estou ali e ele anda me contando sobre coisas da vida.

É provável que não venha como em todos os anos. O trabalho dele por lá (seja lá onde for sua morada) mudou um pouco. Ao invés de presentes, ele agora precisa ajudar a melhorar a humanidade. Foi convocado a fazer plantão para distribuir sacos enormes de compaixão, amor e respeito. Suas renas estão unidas a ele para fazer essa transformação de sentidos.

Disse que cada árvore montada e cada luz acesa devem simbolizar a vida. E despertar sentimentos como bondade, caridade, generosidade e gratidão. E mais que reunir ou aglomerar, estes devem ser o verdadeiro significado do Natal deste ano. Alertou que qualquer quantidade de pessoas juntas pode ser uma ameaça à vida.

Papai Noel anda me falando também que é preciso compreender o que a pandemia está querendo nos dizer: valorizar a vida agora. Nessa hora ele fala baixinho no meu ouvido, fica quase inaudível: o agora é tudo o que a gente tem. Tarefa difícil de executar. Mas ainda temos tempo até a vacina chegar. Entendi que não adianta querer a vacina sem antes cumprir com este recadinho.

Conversamos sobre o Brasil e nossas lutas. Sussurrou baixinho de novo: quanto mais sufocam e perseguem os justos e a democracia que conquistamos, mais fortalecidos ficamos para salvar o país de presepadas e erros.

Reforçou os presentes de Natal que ganhamos nas últimas semanas: a vacina, o FUNDEB e a suspensão do Decreto 10.502. Disse que está orgulhoso da mobilização e articulação feita por aqui entre nós. Fiquei feliz também e tratei de comemorar.

Perguntei a ele sobre a impermanência das coisas e pessoas por aqui. Sobre as perdas tão doídas em nós. Ele reforçou que é melhor aceitar para fluir. Assim fica mais suave e doce. Devemos estar atentos, pra ter amor e sermos gratos. Mistérios e magias de Papai Noel... Mas ele sabe que estou lendo Guimarães Rosa e me fez lembrar do que o poeta falou: “Digo: o real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia."

Não esqueça: a gente só tem o agora.

A construção

Sinceramente, Papai Noel, sempre fui entusiasmada por essa data, sabe? Quando era criança encarava dezembro como um mundo mágico, uma terra encantada feita de alegria, sonhos e comidas gostosas. Sem contar que ainda sou fascinada por você, esse senhor vobarbudo de roupa vermelha e pelos enfeites brilhantes.

Na verdade não coleciono natais mas coleciono sensações. Por isso, neste ano vou me construir de novos cheiros, amores, de novas histórias, de esperança. Tudo como da "primeira vez”. No meu primeiro Natal isolada quero encontrar um sentido verdadeiro, despido de excessos. Juntando as peças do "quebra cabeça“ da vida (sem me preocupar em encaixar no momento) que vão sendo construídas e lapidadas dia a dia.

O sol chega, o café acaba e a conversa também

Corro para escrever aquilo que de mais marcante ficou da nossa conversa: em tempos tristes e desafiadores, como esses, que mundo estamos pensando e o que estamos fazendo por ele? Estamos diante da chance para fazermos diferente. A responsabilidade é sua, minha, nossa. Papai Noel mandou avisar: essa dor que sentimos nos ensina a urgência do agora. A impermanência é uma lição que só nos faz renovados se tivermos disposição para aprender.

Feliz Natal!

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