Mariana Reis é mestranda em Sociologia Política, Administradora , TEDex, Colunista e Personal Trainer

Entre a saudade e o sonho

A pandemia me trouxe tantas dúvidas e dilemas acerca da morte, e que, por meio deste texto, tento elaborar o caos interior que me vejo obrigada a administrar sozinha

Publicado em 02/11/2021 às 02h00
A pandemia levou Mariana Reis a refletir sobre a vida e a morte
A pandemia levou Mariana Reis a refletir sobre a vida e a morte. Crédito: HeungSoon/Pixabay

O ano de 2021 foi (ainda é e não acabou) para mim marcado por um esforço de representar e compreender como a pandemia da Covid-19 deixou marcas indeléveis na vida das pessoas, mesmo daquelas que não sofreram diretamente com as perdas, mas que foram tocadas e se viram obrigadas a elaborar os vestígios desse momento.

A pandemia me trouxe tantas dúvidas e dilemas acerca da morte, e que, por meio deste texto, tento elaborar o caos interior que me vejo obrigada a administrar sozinha. Administrar a falta, a ausência. A saudade é palavra que acompanha meu sono.

Clarice Lispector fala assim: "Sinto saudades dos que se foram e de quem não me despedi direito! Daqueles que não tiveram como me dizer adeus; de gente que passou na calçada contrária da minha vida e que só enxerguei de vislumbre! Sinto saudades de coisas que tive e de outras que não tive, mas quis muito ter".

Eu tento agarrar essa palavra quando vem no meu sono, mas por que ela escapa das mãos? Às vezes acho que ela vai morar em mim ou no meu sono para sempre. Penso nos que se foram pela pandemia e pelos meus pais, mas principalmente eu penso no meu irmão. Eu penso nele o tempo todo. Por quê? Nas letras de música que traduzia para mim, no cachimbo, no seu jeito de falar, na luz que pisca, por quê? No verde que era a sua cor. Tudo junto. Por quê?

Essas dúvidas que a morte me entrega através da saudade e que diariamente me tomam quando adormeço, me fazem gostar bem mais desses porquês, e acho também que vou encontrando respostas para cada um. Até passei a gostar de dormir mais cedo só para ver a palavra.

Eu sei que estou longe das certezas, por isso sempre quando acordo ela desaparece, mas a saudade deixa a possibilidade de lidar com as minhas angústias, me permite um caminho às circunstâncias, ainda que incompreensíveis, um caminho para a expansão de consciência, para minha interioridade.

SIGNIFICADOS 

A saudade esculpe minha trajetória atualmente e me faz entender que cada por quê que aparece quando é noite, mesmo sem resposta, deve servir para não abandonar o sonho e viver como se fosse morrer amanhã, também é uma lição. Compreender que a saudade é palavra solta que mora no meu sono faz parte desse mosaico que entendo ser a vida.

Saudade é palavra difícil de desvendar e aderir a ela permite compartilhar de valores e compreender as angústias. Com a saudade aprendi, pelos meus próprios meios, a encarar uma realidade muitas vezes incompreensível e dolorosa. Sou inquieta quanto à luta pela existência, continuo o percurso nem sempre com harmonia, mas resistindo aos descompassos. Da ameaça à sobrevivência, do risco real da morte e das perdas, compreendi o quão pouco sei sobre o significado do existir, do quão pouco sei sobre saudade. Mas de uma coisa tenho certeza: quero mais palavras morando no meu sono.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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