Mariana Reis é administradora de empresas e educadora física. É pós-graduada em Gestão Estratégica com Pessoas e em Prescrição do Exercício Físico para Saúde. Atua como consultora em acessibilidade e gestora na construção e efetivação das políticas públicas para a pessoa com deficiência em Vitória

Desistir para ganhar: o que o BBB nos ensina

Lucas Penteado presenciou a mais um extermínio, porém desta vez não foi poupado da violência moral, do racismo estrutural, da bifobia, e nem do desamor

Publicado em 09/02/2021 às 02h00
Ator Lucas Penteado no BBB 21
O que aconteceu com o Lucas foi injusto e quem merecia sair ou ser advertido, não foi. Crédito: Reprodução/Gshow

Gostaria de começar a coluna de hoje prestando minha solidariedade ao Lucas e a sua família pela crueldade vivida num dos programas mais assistidos pela população brasileira. O que era para ser entretenimento virou um sofrimento avassalador. Por força de uma reforma em casa e por escolher manter minha sanidade, acabei sem TV, e faz um ano que não assisto nada. Neste momento de pandemia isso se soma ao pacote de cuidados para aumentar a imunidade. Já tentou isso? Diante da repercussão do mais opressor dos programas do BBB, edição 2021, precisei assistir aos vídeos para entender, escrever e comprovar tamanha falta de afetividade dos brothers. Pra mim, a maior de todas as deficiências.

Durante as duas semanas de programa, foi nítido o desprezo com que o grupo tratou esse rapaz. Numa conversa (que raramente se conseguia), eles classificaram Lucas como vagabundo quando falava da sua fase como estudante. Por vezes, ele tentou dialogar com todos dentro daquela casa e foi chamado de manipulador. O cara já estava falando sozinho, até por devaneios, com tanta loucura dos outros, e por isso ele é quem foi chamado de doido. Ousou até pedir desculpas aos colegas. Desculpa de quê? E foi acusado de dissimulação. E por último tentou escapar num beijo e foi mais uma vez humilhado, enxotado, e chamado de aproveitador da causa LGBTQIA+. Nessa hora precisei parar, fazer um café e respirar para continuar assistindo ao massacre chamado preconceito. Quem aguenta?

A casa da violência

O Brasil é o país que mais mata pessoas LGBTQIA+. Não dá pra esquecer disso. Aliás, é bom que a Ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos lembre-se de inserir essa informação em seu discurso que fará no fim do mês na ONU. O Lucas, caros leitores, tentou de tudo, e em tudo foi desqualificado pelo grupo. Esse menino de 24 anos merece muito mais que um prêmio de um milhão e meio de reais, ele merece o reconhecimento pela sua valentia, sorte e esforço para sobreviver aos tiros da polícia que matam a população negra. Isso representa setenta e cinco por cento das pessoas e, em sua maioria, estão os jovens de 15 a 29 anos. Lucas guerreiro.

Presenciou a mais um extermínio, porém desta vez não foi poupado da violência moral, do racismo estrutural, da bifobia, e nem do desamor. Foi violentado com doses fortes de preconceito e torturado pelo excesso de ódio. Assistimos ali dentro o que acontece aqui fora: a falta de esperança. Nos roubaram aqui e lá dentro também. Queria poder dizer algo para consolar, mas não há palavras. A verdade é que estamos cansados daqueles que tentam nos enfiar goela abaixo esse tipo de programa, um jogo que arma com as emoções reais e nos faz sentir injustiçados, humilhados e ainda mais, nos faz entender o quanto as pessoas estão adoecidas com seus sentimentos e histórias de vida. É hora de tratamento e não desse tipo de entretenimento.

Direitos contra a parede

O que mais me chama atenção é ver o grito por justiça entalado na garganta do Lucas. Esse grito pela humanidade parece ser negado aqui fora também. São os ignorantes que percebem a injustiça mas seguem firmes para preservar seus privilégios. Ali dentro tem uma opressão atualizada, uma confusão de valores. O paredão para os iguais ao Lucas, negro, pobre, bissexual, artista, é todo dia. O monstro da desigualdade e da falta de oportunidade fuzila sua sombra por onde quer que vá. Não é tarefa fácil viver num país assim, quem dirá num confinamento. Você não aguentou, eu não aguentaria.

Vejo como um ato nobre de coragem a decisão que Lucas tomou ao sair desse show de horrores. Além do alívio de quem ainda tem a compaixão como norte para viver em sociedade. Ufa! Eu diria que sua forma de agir apontou que a transformação está em curso. Não víamos isso porque a cortina da invisibilidade e da crueldade não nos permitiram. Sua decisão acende um caminho para o entendimento das pessoas com os seus desejos. Da sua busca pela autenticidade. Da luta por direitos humanos.

Preconceito nunca é bem-vindo

Fico aqui pensando como seria ter uma pessoa com deficiência ali nos dias de hoje? No que se transformou o programa é bom não pagar pra ver. Socorro! O que aconteceu com o Lucas foi injusto e quem merecia sair ou ser advertido, não foi. Isso significa que ainda nos falta consciência dos problemas para além do jogo e que nos afligem, e que não temos os mecanismos para combatê-los.

Que o exemplo dele nos sirva. Que sua conquista individual e sofrida ajude a nos empoderar para uma ação coletiva, de consciência social dos direitos. E ele chacoalhou vários ali em duas semanas, não é? Que possamos promover mudanças e ter forças para o confronto com os privilégios que naturalizam as relações. Que não nos falte material para o paredão que construiremos, junto com você, Lucas, para que não passem aqueles que minam a busca por direito à autonomia, por suas escolhas e suas lutas. Se você soubesse...

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