É publicitário e cronista. Neste espaço, aos domingos, dedica-se a crônicas que dialogam com a memória recente do Espírito Santo, da cultura à política, sem deixar de alfinetar os acontecimentos da atualidade locais e nacionais

Vamos dar um rolé por aí. Seu celular vai entender

Figuras interessantes povoam ruas, praças e avenidas. Basta ter olhos de ver. No primeiro semáforo da Praia de Camburi, depois da ponte, tem um pedinte que me parece o mais honesto e o único propositivo que já vi por aí

Publicado em 30/04/2023 às 00h15
Marcos Alencar
Crédito: Amarildo

A febril dependência do celular derrete termômetros. Tudo bem que o novo e fiel companheiro da família facilita muito a vida. Ele traz os amigos mais pra perto, ele diverte, informa, desinforma, expulsa a solidão. As redes sociais fazem dos celulares o aeroporto mais movimentado da terra. E é nele que pousa tudo aquilo que milhares de pessoas acham, experimentam, inventam, intentam, constrangem, alertam, o diabo a quatro. Resumindo, você ganhou uma super babá full-time que ao contrário das antigas não cantam pra você dormir. Elas não param é de falar, pra deixar você sempre ligado. "On" full-time.

O celular passou a ser a sua bengala, seu conselheiro, seu chef de cozinha, o dono da verdade. E tapou seus olhos para o mundo real. As calçadas estão cheias de pessoas muito mais interessantes. Ao vivo! Se é que você já se esqueceu de que isso é possível. Pelas ruas da cidade circula gente engraçada, irritadiça, simpática, chata, doida. E a cada segundo você acaba cruzando com velhos amigos, amigos que sempre têm novidades pra compartilhar, figuras manjadas que passam anos repetindo as mesmas histórias, bêbados gentis, sóbrios arrogantes. O coração do mundo bate compassado em cada canto da cidade.

Se você já nem se lembra mais disso, venha, vamos dar uma voltinha por aí. Quem sabe daremos de cara com aquela figura, língua quente, sempre de plantão sacaneando Deus, povo e governo? Outro dia mesmo ele virou o mosquetão para os cantores breganejos: “Com aquelas canções gritadas é preciso uma dupla pra dividir as críticas”.

Enquanto caminhamos eu até, quem sabe, poderia lhe falar sobre um inesquecível momento sacana que protagonizei na vida. Ainda muito jovem fui jurado num concurso de misses, numa bela cidade do Norte do estado. O clube lotado, torcidas organizadas, e eis que o uísque e meu espírito de porco me levaram a dar notas quebradas às belas mocinhas. Tipo nove vírgula dois, oito vírgula sete e fui que fui.

Na hora de apurar os votos, deu-se a novela: arredonda-se a nota pra baixo ou pra cima? O decimal “cinco” sobe ou desce? “Sobe”! “Nada disso, cinco vai pra baixo”, disseram outros. Então acharam por bem procurar um professor de matemática dentro do clube para evitar briga das candidatas. Não tinha. Um diretor saiu e foi a casa de um amigo professor. Ganhou o arredondar pra cima. E eu a antipatia de todos. No salão, vaias pela demora. Saí batido dali.

Figuras interessantes povoam ruas, praças e avenidas. Basta ter olhos de ver. No primeiro semáforo da Praia de Camburi, depois da ponte, tem um pedinte que me parece o mais honesto e o único propositivo que já vi por aí. No papelão onde todos rabiscam “estou com fome” ele se oferece: “limpo terreno e cavo buraco”. Merece ajuda e palmas de pé. Até ontem ele andava por lá.

Venha! Vamos rir da redundância num hortifruti na Praia do Canto. Na prateleira de cebolas brancas tem uma plaquinha esclarecedora: “Cebolas Brancas”. Na fachada de um boteco maneiro lá pelas bandas da Mata da Praia um apelo ao estômago, deselegante, mas convidativo. Diz mais ou menos assim: “Comidinha gostosinha pra encher o seu buchinho”.

Se você não der uma chupeta para seu celular, você é quem vai dormir sem ouvir boas histórias. Ao vivo. Algumas hilárias, como a certeza de um carinha engraçado que volta e meia pinta na calçada da Banca do Japonês. Ele afirmava outro dia não ter dúvidas sobre o traje que a modelo novata, Janja, usará na coroação do Rei Charles. “Ela irá vestida de Princesa Isabel! Pode apostar.”

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