É economista e cronista. Neste espaço, aos sábados, dedica-se a crônicas que dialogam com a memória recente do Espírito Santo, da cultura à política, sem deixar de alfinetar os acontecimentos da atualidade locais e nacionais

O príncipe perdeu de goleada para os Beatles

E os jovens de todo o mundo descobriram que poderiam ter todo o cabelo que bem entendessem. Viramos cabeludos, a despeito de uma torcida terrivelmente careta

Publicado em 10/10/2020 às 10h00
Corte de cabelo de Marcos Alencar
Corte de cabelo de Marcos Alencar. Crédito: Amarildo

No início era a máquina zero. A malvada que raspava a cabeça como se fosse uma versão mecânica do Roundup. No pasto, o herbicida poupava, no máximo, uma moitinha. Em nossas cabeças, o barbeiro só perdoava o topete. Por ordem expressa do pai: “Deixa só o topete”.

Aprovado no exame de admissão ao ginásio, pré-adolescente, finalmente chegava o momento tão sonhado: a autorização para ter os cabelos cortados à Príncipe Danilo. Um corte onde o topete parecia se esparramar, bem rente, por toda a cabeça. O pé do cabelo era bem marcado. Da nuca até o contorno das orelhas. Garantia um sonhado ar de quase rapaz.

Até os dezoito anos carreguei, orgulhosamente, o príncipe na cabeça. Poucos sabem, mas a realeza do tal Danilo não veio de nenhuma família nobre europeia. Danilo Alvim foi um craque do Vasco, popularizado no rádio como príncipe devido ao seu talento com a bola.

Foi então que chegaram os Beatles e o movimento hippie tomando a bola dos pés do grande Danilo. E os jovens de todo o mundo descobriram que poderiam ter todo o cabelo que bem entendessem. Viramos cabeludos, a despeito de uma torcida terrivelmente careta. Por aversão ao novo, por conceitos antiquados ou por sacanagem mesmo eles não nos deram trégua por um bom tempo. “Cabeludo!” era o xingamento da vez.

Pais não deixavam suas filhas namorarem rapazes de cabelos longos. “Transviados!”. Foi luta renhida. Mas, ao final, ganhamos o campeonato e saímos por aí exibindo orgulhosamente nossas cabeleiras. E eu soube aproveitar muito bem os cabelos que tive. Farta cabeleira, daquelas de pentear usando apenas as mãos.

Nas noites do Britz, nas madrugadas do Buteko, nas pedras do Siribeira, atrás do trio elétrico, nas Dunas da Gal, bati ponto a cada noite, a cada dia. Parecia me preparar para o que vinha pela frente. E lá pelos trinta e tantos, quando a calvície bateu à minha porta, eu a convidei para jantar. Brindei a careca com champanhe, como merecem todos aqueles que chegam pra ficar.

Já meus tios mais velhos, todos carecas, eram consolados pela sabedoria de minha avó: “Nunca vi um burro careca!”. Mas eles não queriam consolo, queriam cabelos.

Já eu, até os dias de hoje, sigo numa boa cultivando o que me restou deles. E, sem exagero, sobrou-me bastante. Fora o cocuruto, eles abundam das laterais até a nuca. Pra que mais? A bem da verdade, são os cabelos, e não a calvície, a verdadeira fonte dos meus problemas. Veja bem, até uns dez anos atrás, o mercado nos oferecia apenas dois tipos de shampoo: um para cabelos secos e outro para cabelos oleosos. Escolha fácil.

Mas os laboratórios, não satisfeitos em nos vender sabão, agora querem nos enlouquecer. Dê só uma espiadinha nas gôndolas dos supermercados e tente adivinhar qual o shampoo ideal para os seus cabelos. Você vai encontrar para cabelos cacheados, crespos, lisos, ressecados, quebradiços, finos, com PH baixo, sulfactantes, perolados, shampoo sólido (Verdade! Existe!), antirresíduos, sem sal, reparação total, para brilho extremo, um que purifica e hidrata... é, ficou difícil.

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