Biólogo, mestre em Gestão Ambiental, comentarista de Meio Ambiente e Sustentabilidade da rádio CBN Vitória

PEC do Licenciamento é sintoma de um Brasil que não aprende com a dor

Neste ano, o Brasil está sob os holofotes internacionais por sediar a COP30, em Belém do Pará. Que mensagem estamos passando ao mundo?

Vitória
Publicado em 21/07/2025 às 05h15

A Câmara dos Deputados aprovou no dia 16, em meio a protestos silenciosos da ciência e da sociedade civil, a chamada PEC do Licenciamento Ambiental, uma proposta que já havia passado pelo Senado e que, agora, ameaça desfigurar um dos pilares da política ambiental brasileira. Em nome de uma suposta “modernização” e “desburocratização”, o que se desenha é a institucionalização da negligência.

A Proposta de Emenda Constitucional, ao flexibilizar radicalmente o processo de licenciamento, representa um sério risco à preservação ambiental e à segurança coletiva. Entre os pontos mais preocupantes da proposta aprovada, destacam-se:

  • Criação da Licença Ambiental Especial (LAE), que permite a liberação de grandes empreendimentos em análise única, com validade de até 10 anos;
  • Licença por Adesão e Compromisso (LAC), baseada em autodeclaração do empreendedor, dispensando estudos de impacto ambiental;
  • Dispensa total de licenciamento para obras como estradas, linhas de transmissão e obras de saneamento vinculadas a metas de universalização;
  • Perda de poder de veto por parte de órgãos técnicos como ICMBio, Iphan e Funai, reduzidos a meros consultores sem força decisória;
  • Afrouxamento das regras para a mineração, que poderá operar sem as atuais normas do Conama até nova regulamentação;
  • Supressão facilitada da vegetação nativa, inclusive na Mata Atlântica;
  • Renovação automática de licenças por até 120 dias, mesmo sem reavaliação de impactos.
Sessão do Congresso Nacional
Sessão do Congresso Nacional. Crédito: Kayo Magalhaes/Agência Câmara

Tudo isso contraria frontalmente o artigo 225 da Constituição Federal, que determina que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

A ciência foi ignorada

Desde que a proposta começou a tramitar, a comunidade científica brasileira se posicionou de forma contundente contra o projeto. Diversas notas técnicas, manifestos e pareceres de universidades, entidades ambientais, ex-ministros do Meio Ambiente e associações científicas alertaram para os riscos da flexibilização do licenciamento. Apontaram, entre outros problemas, o enfraquecimento dos instrumentos de controle, a insegurança jurídica, a maior vulnerabilidade das populações tradicionais e o aumento do risco de desastres socioambientais.

Nada disso foi ouvido. O que se viu foi um atropelo legislativo em nome de interesses imediatistas, sem debate profundo com a sociedade, nem diálogo técnico qualificado.

O Brasil que não aprende com a dor

Brumadinho, Mariana, Petrópolis, o Rio Grande do Sul alagado, as ondas de calor que matam silenciosamente nas periferias urbanas, a seca que destrói lavouras no semiárido. O que mais precisa acontecer para que os nossos legisladores compreendam que o licenciamento não é entrave, mas sim ferramenta de prevenção? Estamos falando de vidas humanas, de patrimônio público e privado, de cadeias produtivas inteiras ameaçadas pela instabilidade ambiental.

Em Brumadinho, o laudo técnico havia apontado fragilidades na barragem. Em Mariana, a falta de fiscalização e a negligência custaram o maior desastre socioambiental da história do país. No Rio Grande do Sul, a ausência de ordenamento territorial e planejamento ambiental urbano amplificou os danos das chuvas extremas. Todas essas tragédias poderiam ter sido mitigadas ou evitadas com licenciamento eficaz, participativo e técnico.

O agro também perde

É irônico que setores do agronegócio defendam a aprovação dessa PEC como um avanço. A Amazônia, cada vez mais desmatada e queimada, já mostra sinais de colapso em sua capacidade de gerar chuvas. A comunidade científica alerta que o bioma amazônico pode estar se aproximando perigosamente de seu ponto de não retorno um limiar a partir do qual a floresta não consegue mais se regenerar e passa a se degradar de forma irreversível, comprometendo o regime de chuvas em todo o centro-sul do Brasil.

Menos floresta significa menos água, menos produtividade, mais vulnerabilidade climática inclusive para o agronegócio que depende da regularidade das estações. O “calorão” fora de época, o atraso nas chuvas, a queda de produtividade agrícola, tudo isso já é parte da conta.

COP30 e o risco de isolamento internacional

Neste ano, o Brasil está sob os holofotes internacionais por sediar a COP30, em Belém do Pará. Que mensagem estamos passando ao mundo? A de um país que flexibiliza o licenciamento ambiental às vésperas da principal conferência global sobre clima? A de uma nação que diz se preocupar com o meio ambiente, mas desmonta os instrumentos de proteção ambiental internamente?

Além disso, a aprovação da PEC pode comprometer de forma irreparável as negociações do Acordo Mercosul-União Europeia, travadas justamente por exigências ambientais mais rígidas dos europeus. Ao enfraquecer o licenciamento, o Brasil corre o risco de ser visto como um parceiro ambientalmente irresponsável o que pode travar não só este acordo, mas comprometer futuras relações comerciais com blocos e países que exigem garantias sustentáveis nas trocas econômicas.

A quem interessa esse retrocesso?

O lobby por trás dessa proposta revela uma aliança entre grupos econômicos e setores políticos insensíveis aos custos socioambientais da degradação. E o mais grave: a população não foi ouvida. Onde estão os debates públicos? Onde estão os pareceres técnicos independentes? A pressa em aprovar a PEC diz muito sobre a distância entre Brasília e as realidades do Brasil profundo.

Ainda dá tempo de resistir?

Sim, desde que a sociedade reaja. Desde que especialistas, movimentos sociais, imprensa e cidadania se articulem para exigir vetos, condicionantes ou mesmo judicialização dos trechos mais perigosos da PEC. Não se pode aceitar que o país seja refém de uma lógica imediatista, que ignora o custo da destruição ambiental e seus impactos sobre a economia, a saúde pública e a justiça social.

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