Nós temos a tendência de olhar criticamente as coisas do mundo. Mais criticamente ainda olhamos para a conduta dos outros, dos patrões, das grandes empresas, dos fornecedores de produtos e prestadores de serviço e pensamos: o que eles poderiam fazer melhor, o que poderiam mudar, para atender melhor nossos interesses? Preferencialmente, sem cobrar nada mais em troca.
E daí temos uma enorme tentação: regular o que os outros devem fazer. Para “melhorar a vida em sociedade”.
No setor aéreo isso é uma enorme tendência. Achamos um absurdo comprarmos passagens mais baratas, mas sem direito a bagagem “grátis”. E achamos mais absurdo ainda a possibilidade de alguém pagar mais caro para ter acesso a banheiro exclusivo, privando os demais passageiros do acesso à toalete frontal da aeronave. Uma espécie nefasta de gentrificação sanitária aérea.
A solução: vamos criar, com uma caneta mágica, uma nova regra e obrigar a “bagagem grátis” para todo mundo e vamos também proibir que passageiros que voam mais ou que pagam mais caro tenham mais conforto com um banheiro exclusivo. Afinal, tudo isso é para o bem comum. Para a maioria das pessoas.
A mesma coisa deve acontecer com os hotéis. Nada mais odioso do que pagar por uma diária do hotel e descobrir, depois, que, ao invés de durar um dia (24 horas), a diária começa às 15h e termina no outro dia pela manhã, às 10h. Num dia curioso que dura apenas 19 horas.
Precisamos melhorar isso. E aproveitar o ensejo para proibir também outra prática odiosa: a cobrança por fora de taxas de limpeza diária por hotéis, caso se entenda pertinente tornar tais serviços opcionais. Vamos regular, e regular. E criar um mundo melhor e mais justo. No qual todos os nossos desejos são atendidos, sempre gratuitamente. E os negócios que se adaptem a nossos sonhos e expectativas.
Mais um capítulo desse mesmo fenômeno vemos na recente Portaria nº 28/2025 do Ministério do Turismo. Em vigor desde 15 de dezembro de 2025, a norma impõe uma intervenção direta na operação hoteleira sob o pretexto de “modernização”.
As regras estabelecem a padronização forçada da diária em 24 horas corridas — permitindo uma janela máxima de apenas 3 horas reservada exclusivamente para a limpeza — e instituem a obrigatoriedade da Ficha Nacional de Registro de Hóspedes (FNRH) digital, supostamente para agilizar o check-in e check-out.
A regra é ótima. Quem seria contra “mais direitos” para os consumidores?
O problema é que, aqui, como em qualquer outro lugar, a regulação ignora a complexidade do mercado. Ao decretar como um hotel deve gerir seu tempo e seu inventário, o Estado restringe a criatividade e impede a inovação e limita drasticamente a criação de novos modelos de negócio.
Hotéis que poderiam oferecer tarifas reduzidas ou pacotes flexíveis perdem a capacidade de diferenciar seus produtos. A padronização sufoca a inovação: todos são obrigados a operar no mesmo formato industrial, impedindo que o setor hoteleiro desenvolva soluções criativas que poderiam ser mais baratas ou eficientes para o consumidor final ou mesmo para a perpetuação e sucesso do negócio.
Mais grave ainda é o custo oculto dessa intervenção. Regras complexas exigem fiscalização, e isso já é ressaltado no artigo 3º da citada portaria, que diz que “a fiscalização dos meios de hospedagem e a aplicação de sanções será exercida pelo Ministério do Turismo e seus delegados”.
Para garantir que a diária tenha exatas 24 horas ou que a FNRH Digital esteja sendo preenchida conforme o protocolo, cria-se a necessidade de mais servidores, mais burocratas e fiscais se imiscuindo na atividade privada diária. Além da camada ministerial, há ainda a possibilidade de Procons e Ministério Público estabelecerem procedimentos fiscalizatórios, todos tocados por servidores pagos pelos pagadores de impostos. E depois ainda os servidores do Judiciário para que essas regras sejam executadas, em mais um processo envolvendo procuradores, assistentes, juízes e afins. Todos com alto custo de remuneração pela hora de trabalho.
O hoteleiro, em vez de focar na excelência do serviço e na satisfação do cliente, passará a gastar energia e recursos se defendendo de autuações administrativas. Quando a via administrativa falha, o problema deságua no Judiciário, gerando processos para questionar multas indevidas ou interpretações divergentes da portaria. Cria-se um ambiente de insegurança jurídica onde o custo para "estar em conformidade" é alto e desencoraja o investimento e a entrada de novos concorrentes.
A verdade é que estamos cedendo à tentação de regular e regular, asfixiando o empreendedorismo e a inovação. Estamos replicando o modelo que hoje é alvo de duras críticas na União Europeia. O bloco europeu sofre de uma "esclerose regulatória", onde o excesso de normas para tudo — do meio ambiente à tecnologia digital — acabou por limitar o crescimento econômico e a competitividade global do continente. Lá, como cá, a intenção de proteger o consumidor ou minorias ou hipossuficientes acabou criando barreiras de entrada tão altas que sufocam o desenvolvimento econômico.
Se isso lá é um problema, imagina por estas terras, qual seria o custo social de não permitir o desenvolvimento de pessoas e negócios? Ao contrário da Europa, o Brasil precisa desesperadamente de crescimento. E o crescimento não virá de portarias que dizem quanto tempo deve durar uma limpeza de quarto, mas sim de um ambiente de liberdade de negócios.
É a ampla concorrência, livre das amarras estatais e do risco de multas arbitrárias, que força a melhora dos serviços e a queda dos preços. Precisamos de menos fiscais cronometrando diárias e de mais liberdade para empreender.
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