É advogado. Doutor e Mestre em Direito pela Universidade de São Paulo (USP)

Indenizações por morte: qual é o valor de uma vida?

Ao Judiciário cabe arbitrar um preço, diante da morte. Para indenizar aqueles eventuais dependentes do falecido, pelo suporte que haveriam de receber caso a pessoa houvesse sobrevivido (dano material) e pelo sofrimento dos familiares (dano moral)

Vitória
Publicado em 09/05/2024 às 02h30

O estimado leitor já deve ter pensado na resposta mais moralmente adequada: a vida não tem preço, não se pode exprimir em pecúnia o valor da existência de um ser humano. Óbvio que não sou eu quem divergirá desse pensamento!

O problema é que juízes e tribunais não podem se dar ao luxo de responderem desse modo, quando demandados por indenização em favor de familiares afetados pelo evento morte, em decorrência de crimes, acidentes de trabalho, erro médico, acidentes de trânsito ou outros infortúnios decorrentes da vida civil.

Ao Judiciário cabe arbitrar um preço, diante da morte. Em parte, para indenizar aqueles eventuais dependentes do falecido, pelo suporte que haveriam de receber caso a pessoa houvesse sobrevivido (dano material). Em outra parte, para indenizar o sofrimento dos familiares mais próximos (dano moral).

O dano material tem referências objetivas para ser fixado, levando em consideração a renda do falecido, o potencial de contribuir com os dependentes mensalmente, e a estimativa de prazo dessa contribuição. O dano moral, diferentemente, não tem parâmetros objetivos e é fixado pelo juiz com uma certa liberdade: o juiz tem a difícil missão de fixar um valor pela perda da vida.

Os tribunais tentam oferecer algumas balizas para tanto. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) fixa indenização por danos morais em decorrência da morte entre as quantias de 300 e 500 salários-mínimos em favor de toda a entidade familiar afetada. Não é raro, todavia, encontrar julgados estipulando indenizações em montantes inferiores, tal como a fixação de indenização no valor de R$ 70.000,00 para morte ocorrida em função de erro médico em atendimento no pronto-socorro.

A Justiça do Trabalho não foge, tampouco, a essa oscilação, tendo a indenização decorrente da morte em acidentes de trabalho se estabelecido em quantias como R$ 300.000 a R$ 90.000,00 para a reparação de toda a entidade familiar.

Os valores, efetivamente, não são tão expressivos quanto se imaginaria, especialmente diante do extremo valor que a sociedade ocidental concede à vida humana. A questão principal, todavia, diz respeito à necessidade de se estabelecerem quantias factíveis, as quais gerariam certa compatibilidade com a capacidade dos devedores adimplirem suas obrigações e mais profundamente: com a necessidade de que certas atividades econômicas, consideradas arriscadas, não se tornem economicamente inviáveis.

A Prefeitura de Piúma obteve decisão favorável da Justiça em 1ª e 2ª instâncias
Decisão da Justiça. Crédito: Divulgação

Uma indenização excessivamente baixa pode gerar desincentivo para que pessoas sejam mais cautelosas e empresas adotem treinamentos e equipamentos que evitem acidentes com consumidores ou empregados. Uma indenização excessivamente alta acabaria por desincentivar certas atividades e afastar investimentos em áreas consideradas mais perigosas, deixando toda a sociedade sem serviços fundamentais, como o fornecimento de energia ou a administração privada de rodovias ou transporte de pessoas e cargas.

A conta da Justiça depende sempre de um equilíbrio, entre exigências não raro conflitantes na adequada regulação da sociedade. Não é à toa que o artigo 20 da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro exige que o juiz, antes de decidir, sempre leve em consideração “as consequências práticas da decisão”.

A verdade é que as indenizações por morte, muito longe de traduzirem o valor que nós atribuirmos à vida humana, representam apenas um esforço para que os afetados recebam alguma compensação, sem que essa compensação represente um ônus exagerado ou inexequível ao causador do dano.

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