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Relator vota para aposentar juiz do ES acusado de deixar o trabalho de lado para cuidar de granja

Valeriano Bolzan tem 20 anos de magistratura, 18 deles em Venda Nova do Imigrante

Vitória
Publicado em 06/07/2023 às 20h16
Valeriano Cezário Bolzan, juiz titular de Venda Nova do Imigrante
Valeriano Cezário Bolzan, juiz titular de Venda Nova do Imigrante. Crédito: Edson Chagas/Arquivo

O desembargador do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) Raphael Câmara votou, nesta quinta-feira (06), para condenar o juiz de Direito Valeriano Cezário Bolzan, de Venda Nova do Imigrante, à pena de aposentadoria compulsória com remuneração proporcional ao tempo de serviço.

Câmara é o relator do Processo Administrativo Disciplinar (PAD) que apurou a conduta do magistrado. O destino de Bolzan vai ser definido pelo Pleno do TJES, formado por todos os desembargadores da Corte.

A sessão do Tribunal, marcada para 14h, começou por volta de 16h. Desde 13h30, os desembargadores ficaram reunidos, a portas fechadas, na sala da presidência.

Após mais de duas horas de voto do relator, os desembargadores Annibal de Rezende Lima, Samuel Meira Brasil Jr. e Carlos Simões Fonseca acompanharam o entendimento do colega.

Namyr Carlos de Souza Filho pediu vista, para analisar os autos, adiando o desfecho do caso.

O PAD investigou se Valeriano deixou de lado o trabalho na Vara Única de Venda Nova para exercer atividades como empresário, o que é proibido aos magistrados. 

Podem até ser sócios de empresas, mas não administrá-las.

O relator, ao votar, destacou ter constatado uma “confusão pública entre as figuras de juiz e empresário”, sendo a última “a principal”.

O processo envolve a atividade de empresas do ramo do agronegócio, com destaque para uma granja.

A propriedade tem 10 galpões, com 33 mil frangos para corte em cada um deles.

No curso da apuração, a situação de Valeriano Bolzan se complicou com o testemunho de pessoas que contaram que ele usava servidores comissionados e/ou terceirizados do fórum, pagos pelo Judiciário, para realizar serviços diários na granja Viva Frangos Ltda, que fica em Muniz Freire, a 40 quilômetros da sede da comarca.

O Ministério Público (MPES) sustentou, na sessão desta quinta, as acusações.

O subprocurador-geral de Justiça Judicial, Josemar Moreira, afirmou que o magistrado demonstrou “desprezo pela atividade judicante” e que “causa arrepio” a ausência do juiz na maioria de 116 audiências, gravadas, realizadas em Venda Nova.

A granja, embora tenha sido, a partir de 2020, registrada em nome da esposa e da sogra do juiz, na prática, segundo o relator, era de propriedade do magistrado e gerida por ele.

“Não passou de artifício, ação estratégica para esconder sua verdadeira condição de gestor ativo e efetivo, um sócio oculto, uma eminência parda de todos os negócios das empresas, desde o começo até os dias atuais”, escreveu o corregedor-geral da Justiça, desembargador Carlos Simões Fonseca, ao votar, ainda na abertura do PAD, em novembro de 2022.

A manifestação da Corregedoria, no âmbito da Reclamação Disciplinar –  a investigação preliminar que deu origem ao PAD –  foi sigilosa, mas a coluna obteve acesso aos autos.

No rol de acusações, há ainda uma decisão assinada por Bolzan em meio à greve dos caminhoneiros de 2018 para a liberação de uma rodovia, o que beneficiaria, indiretamente, a granja do próprio magistrado. 

“(Um juiz atuar como empresário) gera descrédito ao Tribunal de Justiça do Espírito Santo como um todo e permite questionamentos a respeito da legitimidade de determinadas decisões judiciais em que pode haver conflito de interesses”, registrou Raphael Câmara, nesta quinta.

Para Câmara, houve “inegável mistura de interesses públicos e privados”.

Até com uso do apartamento funcional, que fica dentro do fórum de Venda Nova, para encontros íntimos do juiz com uma mulher, o que, ainda segundo o relator, era de conhecimento público.

Valeriano Cezário Bolzan tem 20 anos de magistratura, sendo 18 com atuação em Venda Nova.

Ele está afastado do cargo desde que o PAD foi aberto, mas recebendo salário.

Antes de ser juiz, foi assessor de desembargadores e da presidência do TJES. Em mais de uma ocasião, foi destacado pelo Tribunal como modelo de gestão e produtividade. 

Ao se dedicar ao agronegócio, contudo, passou a ser referenciado pela atividade de criação de frangos. Em um grupo de WhatsApp formado por advogados, por exemplo, era chamado de “juiz das galinhas”.

O Ministério Público arrolou 12 testemunhas e a defesa, 55, ouvidas pelo relator no âmbito do PAD.

“ONDE ESTÁ O ABANDONO?”

"A granja recebe pintinhos da Uniaves, presta serviço de engorda desses pintinhos e, depois de 90 dias, os pintinhos estão prontos para abate. A própria Uniaves vai lá, pega os pintos e leva para o seu abatedouro normal. Não tem comércio, não tem compra, não tem venda", argumentou o advogado Flávio Cheim Jorge, em sustentação oral no Tribunal quando da abertura do PAD.

Nesta quinta, ele, que atua na defesa de Valeriano Bolzan, reforçou essas alegações e rebateu a acusação de que o juiz abandonou as atividades relativas à magistratura.

“A Comarca de Venda Nova é a mais produtiva do estado. Onde está o abandono?”, questionou Cheim Jorge.

Sobre a ausência do juiz em audiências, o advogado afirmou que o juiz estava no fórum, mas, para ser mais produtivo, “deixava de obedecer algumas formalidades”.

A defesa pediu que, se o Tribunal entendesse por aplicar alguma punição, que fosse a remoção, ou seja, a transferência de Valeriano Bolzan para outra comarca.

“O juiz que fica muito tempo na mesma comarca acaba atuando de maneira mais informal”, pontuou o advogado.

Após a sessão desta quinta, Flávio Cheim Jorge afirmou, em entrevista, que "a defesa respeita os votos que já foram manifestados, mas espera que, em razão do pedido de vista, as provas sejam analisadas e levados em consideração os argumentos de defesa, que são razoáveis e não foram acolhidos pelo relator".

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TJES Venda Nova do Imigrante Letícia Gonçalves

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