O cotidiano das nossas cidades, a cultura, a política, a economia e o comportamento da sociedade estão no foco da coluna, que também acompanha de perto as políticas públicas e suas consequências para os cidadãos

A noite em que a fé manda deixar doces no prato no ES

Em cidade no interior do Espírito Santo, tradição diz que Santa Luzia percorre a cavalo todas as residências onde existem crianças, para distribuir guloseimas a elas

Vitória
Publicado em 12/12/2025 às 15h48
Doces no prato: tradição na noite da véspera do dia de Santa Luzia em Alfredo Chaves
Doces no prato: tradição na noite da véspera do dia de Santa Luzia em Alfredo Chaves. Crédito: Pixabay

Cidade com fortes marcas da cultura italiana, Alfredo Chaves é conhecida por suas tradições, algumas vindas da Europa. Uma das mais singelas e, por isso mesmo, mais belas, é comemorar o dia de Santa Luzia (13 de dezembro) com doces para as crianças. Mas é na véspera que o ritual cultural-religioso se inicia.

Na noite do dia 12 (hoje), os pequenos costumam colocar pratinhos enfeitados com capim e milho, próximo à árvore de Natal ou na mesa principal da casa, para o “cavalinho” da santa, segundo a tradição. Em troca, as crianças ganham doces.

E por que o cavalinho? Há uma crença que a santa percorre a cavalo todas as residências onde existem crianças e distribui doces para elas, principalmente as que tiveram bom comportamento durante o ano e acreditam na lenda. O capim, segundo a tradição, é alimento para o cavalo, que merece um “lanchinho” devido ao cansaço em percorrer as residências do mundo inteiro.

TRADIÇÃO FAMILIAR

Na família Paganini, moradora de Gururu, na sede de Alfredo Chaves, a tradição atravessa cinco gerações. A aposentada Luizinha Parteli Paganini, de 83 anos, lembra que, quando criança, colocava o pratinho e recebia cavaco e biscoitos. O costume foi mantido com seus filhos e seguiu adiante.

Drieli com Heitor (no colo), Bernadeth, Sofia, Helena e dona Luizinha Parteli Paganini (sentadas): cavaco e biscoitos no pratinho
Drieli com Heitor (no colo), Bernadeth, Sofia, Helena e dona Luizinha Parteli Paganini (sentadas): cavaco e biscoitos no pratinho. Crédito: Everton Bassetto

Sua nora, a dona de casa Berdadeth Pietralonga, também cresceu em uma família que preservava o ritual e fez questão de continuar a tradição na nova família, repassando-a aos filhos e netos. Sua filha, Drieli, também segue com o legado com os filhos Sofia, Helena e Heitor.

Da mesma forma, a tradição atravessa seis gerações na família de Jalci e Ivanete Rosa, de 77 e 72 anos, respectivamente, moradores do bairro Cachoeirinha. Ivanete lembra que foi sua avó quem começou a incentivar o costume entre filhos e netos - e ela fez questão de manter o legado. “Temos muita devoção à santa, e essa tradição permanece viva em nossa família até hoje”, afirma.

Silvana, uma das filhas do casal, cresceu seguindo o hábito e o repassou à filha Nathália, que hoje transmite a devoção às pequenas Maria Sofia e Elora Maria. As netas aguardam a data com alegria e ansiedade, e fazem questão de colocar o pratinho não só em casa, mas também na residência dos avós e dos tios.

De acordo com o escritor e jornalista Hésio Pessali, o costume integra um cenário maior da tradição italiana, em que as celebrações, chamadas de festas do calendário católico, têm uma presença significativa.

Jalci e Ivanete Rosa, Silvana e Eloara Maria (no colo), Nathália e  Maria Sofia:  tradição atravessa seis gerações na família Rosa
Jalci e Ivanete Rosa, Silvana e Eloara Maria (no colo), Nathália e Maria Sofia: tradição atravessa seis gerações na família Rosa. Crédito: Dirceu Cetto

“As celebrações, como a de Santa Luzia, tinham um aspecto não só religioso, mas também festivo, social e afetivo, de encontro de pessoas e famílias. Na manhã em que ganhavam os doces, as crianças se visitavam, ficavam mostrando o que haviam ganho e, conforme as preferências, trocavam doces umas com as outras”, relata.

O jornalista ainda descreve que alguns pais levavam um animal para andar no terreiro para obter a marca do "cavalinho", que ficava cravada no chão do terreno molhado pelo sereno da madrugada.

FÉ NA SANTA DOS OLHOS

Em diversas comunidades de Alfredo Chaves, Santa Luzia é homenageada e pelos seus muitos devotos. Na localidade de Quarto Território, por exemplo, uma capela foi construída há mais de 120 anos, em agradecimento a uma promessa atendida.

De acordo com um morador local, a família Lorencini construiu, na época, uma capelinha que anos mais tarde foi ampliada. A própria família trouxe a imagem da padroeira diretamente da Itália - na imagem está cravado o nome de Santa Lúcia, como é conhecida na Itália.

Todos os anos, no dia dedicado à santa, a comunidade celebra a devoção com missa e diversas festividades. A celebração atrai moradores do município e de cidades vizinhas, que aproveitam o momento para agradecer pelas graças recebidas, especialmente relacionadas à visão.

E para abençoar os nossos olhos para que a gente consiga enxergar com mais nitidez a beleza do mundo, nada melhor que repetir uma antiga oração popular: “Santa Luzia passou por aqui com seu cavalinho comendo capim". Amém!

A Gazeta integra o

Saiba mais

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.