Doutor em Doenças Infecciosas pela Ufes e professor da Emescam. Neste espaço, faz reflexões sobre saúde e qualidade de vida

Delicadezas de Deus: a vacina contra a Covid e o câncer

Começaram a surgir diversos relatos publicados na literatura médica de câncer com regressão espontânea após a vacinação de Covid-19

Publicado em 06/11/2025 às 05h00

Os esforços da ciência médica para vencer os diferentes tipos de câncer são antigos. Cirurgias, radioterapia e quimioterapia podem curar, ou apenas aumentar a sobrevida. Nos últimos anos, novas esperanças surgiram com a imunoterapia. Muitos tumores, em crescimento desenfreado, criam um ambiente de autoproteção dentro do corpo da pessoa afetada.

As células tumorais hiperexpressam moléculas inibitórias de morte celular, protegendo-as de destruição pelos mecanismos de defesa do organismo. Nos últimos anos, vários inibidores de checkpoint têm surgido no tratamento de alguns desses tumores. São inibidores de pontos de controle ou de checagem, bloqueando os sinais (as tais moléculas inibitórias) que impedem ou dificultam a ação de linfócitos T no combate às células cancerosas.

Esses inibidores podem ter efeitos colaterais como todo tratamento, mas, quando funcionam, dão extraordinários resultados. O problema é que um enorme número de pacientes, a maioria, segundo alguns oncologistas, não responde à imunoterapia. Alguns centros de pesquisa têm relatado que a administração de nanopartículas de RNA altamente imunogênicas seria capaz de sensibilizar e resetar o sistema imune, tornando tumores graves e resistentes novamente sensíveis a esses inibidores.

Vários cientistas dos Estados Unidos, liderados por Adam J. Grippin, do Anderson Cancer Center, na Universidade do Texas, em Houston, acompanharam 180 pacientes que receberam vacina de RNA mensageiro contra Covid-19 nos 100 dias que precederam o tratamento de câncer com os novos inibidores de checkpoint e 704 pacientes que foram tratados com inibidores de checkpoint sem vacinação de mRNA contra Covid nos 100 dias anteriores.

Após ajustar para variáveis como comorbidades, histologia do tumor, uso de outros adjuvantes, as pessoas vacinadas para Covid com vacinas de RNA mensageiro nos 100 dias que precederam a imunoterapia para câncer tiveram uma considerável sobrevida maior, com 3 anos de tratamento (55,7%), comparado com os que não haviam se vacinado antes (30,8%).

Não fez diferença ter recebido duas vacinas de mRNA ao invés de apenas uma, e não fez diferença se o tempo entra a vacina e a imunoterapia era encurtado para 50 dias. Vacinas de gripe ou vacina pneumocócica aplicada nos 100 dias antes da imunoterapia não fizeram qualquer diferença na sobrevida.

Vacina Pfizer-BioNTech
Vacina Pfizer-BioNTech. Crédito: Carlos Alberto Silva

Os autores repetiram o estudo analisando imunoterapia contra melanoma metastático. Novamente os pacientes com câncer que receberam a vacina de RNA mensageiro contra Covid-19 tiveram uma sobrevida maior de 67,6% contra 44,1% nos não vacinados. Os autores estudaram também o mecanismo através do qual as vacinas de RNA mensageiro sensibilizam tumores agressivos como melanoma e alguns tipos de câncer de pulmão, tornando-os sensíveis à imunoterapia com inibidores de checkpoint.

Sugerem um papel para o Interferon α e também Interleucina 1 (IL1). Os autores concluem que novas terapêuticas com RNA mensageiro podem ser desenhadas para resetar o sistema imune e redesenhar a imunoterapia para outros tumores agressivos. Essas descobertas foram publicadas na revista Nature há pouco mais de duas semanas.

Tenho refletido sobre as lições da pandemia e imaginava que, com as milhões de vidas salvas com as vacinas de mRNA contra Covid, seu papel na história seria aceito por todos. Fico deprimido quando constato como a desinformação semeou discórdia e desconfiança até entre milhares de médicos.

Quando a ciência mostra novos avanços significativos, mais benéficos para a humanidade com essa tecnologia, tenho esperanças na racionalidade humana. “Delicadezas de Deus”, diz uma prima devota, sobre essas coincidências inesperadas de boas novas.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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