Várias pessoas, médicos ou mesmo pacientes têm, seguidas vezes, comentado como os transtornos ligados ao autismo, antes raros, agora são comuns. Robert Kennedy Jr, o advogado responsável pelo Departamento de Saúde do governo americano, conhecido pelo viés anticiência, está determinado a encontrar o fator “ambiental” responsável pelo autismo.
O sueco Sven Bölte, professor de Psiquiatria da Criança e Adolescentes do Instituto Karolinska em Estocolmo, defende que existe uma epidemia de diagnósticos, não uma real epidemia de autismo. Nos últimos 20 anos nos EUA, a prevalência de autismo passou de pouco mais de 1 em 100 meninos para 1 em 20, e de 1 em 250 meninas para cerca de 2 em 100.
Essa tendência de elevação está ocorrendo principalmente em países de alta renda, como Reino Unido, Dinamarca, Japão e Coreia do Sul. Os especialistas refletem que em países de baixa renda simplesmente não têm ocorrido diagnósticos mais frequentes por falta de acesso a especialistas.
A causa principal dessa “epidemia” de autismo é que os critérios diagnósticos mudaram nas últimas décadas tanto na Classificação Internacional de Doenças (CID), como no manual de Diagnostico de Doenças Mentais (DSM). Versões atualizadas de ambos alargaram significativamente os critérios diagnósticos de modo a incluir pessoas com menos sintomas e diferentes idades (não somente crianças).
A síndrome de Asperger, por exemplo, foi incorporada ao “guarda-chuva” do autismo em 2013. Os cientistas explicam que, com redução do estigma, há maior estímulo para pais e professores identificarem pessoas com menos sintomas, que podem ter acesso mais ágil a serviços de saúde e mesmo assistência mais adequada nas escolas. Obviamente, isso tudo tem um custo, gerando pressão nas operadoras de saúde por exemplo.
Os pesquisadores argumentam também que o mundo do trabalho e da educação se tornaram mais complexos, com a digitalização, a internet e as redes sociais expondo mais rapidamente crianças com menos sintomas que passariam ignoradas no passado.
Diana Schendel, epidemiologista da Pennsylvania estudiosa do autismo, acha que apenas o aumento dos critérios de diagnóstico explica a maior parte da epidemia de autismo observada em nossos tempos. Estudos no Japão mostraram uma prevalência de 3% em crianças com 5 anos.
Alguns cientistas acreditam que, além de aumento de diagnósticos, pode estar ocorrendo um genuíno incremento de casos de autismo. A pesquisa das causas de autismo tem intrigado os cientistas por décadas. Mecanismos genéticos parecem ter um papel mais importante.
Segundo Diana Schendel, a história familiar é o fator de risco mais forte conhecido. Um grande estudo clínico feito em cinco países e publicado em 2019 estima que fatores hereditários são responsáveis por 80% do risco do autismo. Alguns cientistas acreditam que idade parental avançada (para mães ou pais), um fato cada vez mais frequente nas sociedades modernas, pode influenciar no risco de autismo.
É possível que haja fatores ambientais também envolvidos. Só a ciência pode ajudar a estudar esses fenômenos. Ideologia e luta política em nada ajudam. O desmantelamento das agências científicas pela nova administração americana não encoraja a confiança em bons estudos. O American College of Physicians, voz de 162 mil médicos dos Estados Unidos, fez um apelo ao presidente Trump e ao Congresso norte-americano pela substituição de Robert Kennedy Jr.
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