Publicado em 24 de setembro de 2025 às 06:32
O presidente americano Donald Trump foi amplamente criticado por parte dos especialistas em saúde, por tentar afirmar que existiria uma ligação entre o analgésico Tylenol — que pode ser comprado sem receita — e o autismo.>
Acompanhado de seu secretário de Saúde, Robert F. Kennedy Jr., Trump declarou que os médicos serão aconselhados em breve a não recomendar às mulheres grávidas o uso do medicamento, conhecido como paracetamol no Brasil e no Reino Unido, entre outros países.>
Especialistas da área médica questionam as afirmações do presidente.>
O Colégio Americano de Ginecologistas e Obstetras declarou que o anúncio é "preocupante" e não se baseia em "dados confiáveis". Já a Sociedade Nacional de Autismo do Reino Unido qualificou a declaração de Trump como "perigosa, contra a ciência e irresponsável".>
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A BBC Verify (o setor de checagem de fatos da BBC) examinou algumas das alegações apresentadas por Trump e Kennedy, durante sua entrevista coletiva na Casa Branca.>
Durante o evento, Trump citou diversas estatísticas que, segundo ele, demonstram que os diagnósticos de autismo nos Estados Unidos teriam aumentado rapidamente ao longo das últimas duas décadas.>
O presidente americano afirmou que a incidência aumentou de cerca de "um a cada 10 mil... provavelmente, 18 anos atrás" para "um a cada 31" em 2025.>
A estatística final mencionada por Trump (de que a incidência de autismo aumentou para um a cada 31) é correta. Dados de 2022 dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos demonstram que este é o índice de diagnóstico entre crianças com oito anos de idade, em 16 Estados americanos.>
O índice, de fato, aumentou nos últimos 18 anos, mas nem de longe atinge os números mencionados por Donald Trump ("um a cada 10 mil há 18 anos").>
Não há números disponíveis para 2007 (o ano mencionado por Trump). Mas, em 2006, os CDC estimaram que a incidência de autismo entre a população dos Estados Unidos era de 1 a cada 110 pessoas. E, em 2008, era de 1 a cada 88.>
A maioria dos especialistas afirma que o aumento dos índices de autismo pode ser principalmente atribuído às mudanças da forma de diagnóstico da condição, além do seu maior reconhecimento e da maior quantidade de pessoas que passam pelos exames.>
Trump também afirmou, no domingo (21/9), que o Estado americano da Califórnia tem um "problema mais grave" com o autismo do que outros Estados pesquisados pelos CDC.>
Os CDC estimaram que, em 2022, cerca de 1 a cada 12 meninos de oito anos na Califórnia tem autismo — o índice mais alto para meninos do estudo, em 16 Estados.>
Mas a agência destacou que o Estado promove uma iniciativa local, treinando centenas de pediatras para "selecionar e encaminhar as crianças para avaliação o mais cedo possível, o que poderá resultar em maior identificação" do autismo.>
Outra afirmação de Trump diz respeito aos efeitos da vacina tríplice viral, contra caxumba, sarampo e rubéola.>
O presidente americano declarou que a vacinação "deveria ser separada" e não combinada em uma única aplicação. "Parece que, quando você as mistura, pode surgir um problema", segundo ele.>
Especialistas receiam que, se os pais deixarem de vacinar seus filhos devido às afirmações infundadas do presidente americano, haverá o risco de ressurgimento de doenças como o sarampo.>
A ideia já desmentida de que as vacinas na infância estariam relacionadas ao autismo ganhou a atenção do público pela primeira vez em 1998, com um artigo publicado na revista médica The Lancet, de autoria do médico britânico Andrew Wakefield.>
Descobriu-se posteriormente que Wakefield detinha conflitos de interesse.>
Alguns dos participantes do teste, por exemplo, estavam relacionados a uma ação judicial contra as empresas produtoras de vacinas. E o Conselho Médico Geral do Reino Unido (GMC, na sigla em inglês) também concluiu que ele falsificou resultados.>
O documento da pesquisa foi recolhido e o GMC cancelou o registro de Wakefield em 2010.>
Diversos estudos realizados desde então não encontraram relação entre a vacina tríplice viral e o autismo.>
O mais recente deles é um estudo dinamarquês de 2019 que examinou 657.461 crianças. A conclusão foi que os dados não sustentam que a vacina tríplice viral possa causar ou despertar o autismo.>
No seu website, os CDC dos Estados Unidos recomendam a administração às crianças de duas doses da vacina tríplice viral. A primeira dose deve ser fornecida aos 12-15 meses e a segunda, entre quatro e seis anos de idade.>
No Brasil, o Ministério da Saúde recomenda a primeira dose da vacina tríplice viral para crianças com 12 meses de idade. Já a segunda dose "deve ser administrada aos 15 meses, por meio da vacina tetraviral, que reforça a proteção contra sarampo, caxumba e rubéola (segunda dose da tríplice viral) e inclui a primeira dose contra a varicela (catapora)".>
O governo britânico afirma que "não há evidências" de que as vacinas devam ser tomadas separadamente e qualquer decisão neste sentido "seria experimental". >
Neste ano, os Estados Unidos presenciaram o maior índice de casos de sarampo em mais de três décadas. Segundo os CDC, até o momento, foram confirmados 1.491 casos e três pessoas morreram.>
"O presidente Trump não produziu evidências de que o cronograma atual de imunização nos Estados fosse prejudicial e de que a administração da vacina tríplice viral fosse insegura", declarou o professor de saúde infantil David Elliman, do University College de Londres.>
"Os defensores de uma relação entre a vacina tríplice viral e o autismo mencionam a pesquisa de 1998, publicada no The Lancet, cujo primeiro autor foi Andrew Wakefield", explica Elliman.>
"Na verdade, os autores do estudo declararam claramente no artigo que eles não haviam comprovado essa relação, mas sugeriram a realização de novas pesquisas. Estas pesquisas foram feitas e não encontraram evidências de nenhuma relação.">
Os especialistas também afirmam que permitir um intervalo entre as vacinas deixa as crianças mais propensas a contrair doenças nesse ínterim ou a perder a vacinação, no caso de múltiplas aplicações.>
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Trump mencionou as pessoas amish como um grupo nos Estados Unidos que "virtualmente não tem autismo" na sua comunidade.>
Os grupos amish vivem tipicamente em comunidades remotas. Eles se recusam a adotar muitos recursos da vida moderna, o que pode incluir uma suspeita em relação aos produtos farmacêuticos atuais.>
Trump sugeriu, sem fornecer evidências, que a baixa taxa de uso de Tylenol no grupo poderia ter levado a uma menor incidência de autismo.>
Existem relativamente poucos estudos sobre a incidência de autismo na comunidade amish. Muitas crianças são diagnosticadas na escola, mas a maioria delas deixa os estudos após o oitavo ano, com cerca de 14 anos de idade.>
"Acho que é muito, muito improvável que não existam pessoas autistas entre os amish", afirmou à BBC a professora de neurociências cognitivas Eva Loth, do King's College de Londres.>
"A questão é quantos estudos populacionais foram realizados com os amish? As pessoas amish costumam buscar diagnóstico?", pergunta ela.>
"Ou seja, os números relatados podem ser baixos por diversas razões, mas isso não significa que não existam casos [de autismo].">
Em um estudo realizado em 2010, um grupo de geneticistas concluiu que o autismo ocorre em cerca de uma a cada 271 crianças amish. A pesquisa examinou 1.899 crianças em duas grandes comunidades amish, nos Estados americanos de Ohio e Indiana.>
Mas é preciso observar que as pesquisas sobre este tema são limitadas e não encontramos nenhum estudo que indique uma eventual relação entre as baixas taxas de imunização e o diagnóstico de autismo entre as pessoas amish.>
Trump fez uma afirmação similar sobre os níveis de autismo em Cuba. Ele defendeu que o motivo seria o baixo abastecimento de Tylenol na ilha. Mas não se sabe ao certo quais seriam as bases para a avaliação do presidente americano.>
A BBC Verify não encontrou estatísticas oficiais cubanas a respeito e a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou que "a incidência de autismo, em muitos países de baixa e média renda, é desconhecida".>
Há quase 20 anos, Trump vem expressando, de tempos em tempos, preocupação com o aumento da incidência de autismo entre as crianças americanas.>
Em 2007, ele sugeriu publicamente, pela primeira vez, acreditar que haveria uma relação entre as vacinas e o aumento da incidência.>
O presidente expressa interesse pelo trabalho de Kennedy, pelo menos, desde 2017. Naquele ano, o atual secretário da Saúde declarou que Trump havia solicitado a ele que liderasse uma força-tarefa sobre a segurança das vacinas.>
Sete anos depois, Kennedy (então com cerca de 5% nas pesquisas eleitorais) retirou sua candidatura à Presidência dos Estados Unidos, passando a apoiar Donald Trump. >
Durante a campanha eleitoral, vazou para o público uma ligação entre Trump e Kennedy, na qual o republicano tentava convencer o candidato independente a apoiá-lo para a Presidência.>
Na ocasião, Trump foi ouvido discutindo afirmações já desmentidas sobre os riscos à saúde das vacinas na infância.>
Depois da eleição, Trump anunciou Kennedy para liderar o Departamento de Saúde e Serviços Humanos, com a missão de "tornar a América saudável novamente".>
Mas, no seu primeiro mandato, Trump, na verdade, apoiou algumas campanhas de vacinação. Durante um surto de sarampo ocorrido nos Estados Unidos em 2019, ele declarou que as pessoas "precisam tomar vacina. A vacinação é muito importante.">
Além disso, foi o governo Trump que supervisionou o rápido desenvolvimento e os primeiros lançamentos das vacinas contra a covid-19.>
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