Doutora em Epidemiologia (UERJ). Pós-doutora em Epidemiologia (Johns Hopkins University). Professora Titular da Ufes. Aborda nesta coluna a relação entre saúde, ciência e contemporaneidade

COP30: oportunidade para políticas públicas que integrem saúde e clima

O que precisa ficar entendido é que proteger o clima é cuidar das pessoas. Cada grau a menos no termômetro global significa vidas poupadas, sorrisos preservados e futuros possíveis

Publicado em 29/05/2025 às 03h00

Recebi com muita honra o convite do embaixador André Corrêa do Lago, presidente designado da COP30, para atuar como Enviada Especial da Saúde. Serei uma interlocutora da Presidência da COP30, aconselhando e facilitando o fluxo de informações e conexões estratégicas, inclusive sobre o estado e opiniões do setor saúde, principalmente nos interesses do nosso país e do sul global. Tais contribuições se darão tanto no processo preparatório quanto na conferência.

A sigla COP significa "Conferência das Partes" (Conference of the Parties, em inglês) e é um evento anual onde países signatários da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima se reúnem para discutir e negociar medidas para combater as mudanças climáticas.

As mudanças climáticas interferem diretamente na saúde, e o setor saúde também tem muito a contribuir com soluções para minimizar os impactos das mudanças climáticas.

Em um planeta onde os termômetros batem recordes históricos e os eventos extremos se tornam rotina, discutir saúde sem considerar as mudanças climáticas é como tratar os sintomas e ignorar a causa da doença. O clima não é mais apenas uma questão ambiental — é um determinante social da saúde, capaz de moldar o bem-estar coletivo e aprofundar desigualdades.

As ondas de calor, cada vez mais frequentes e intensas, não são apenas desconforto passageiro. Elas matam. Idosos, crianças, trabalhadores informais e populações periféricas são os primeiros a sofrer com desidratação, insolação e agravamento de doenças cardiovasculares. Na contramão, enchentes e tempestades arrastam não só casas, mas também a segurança alimentar, a qualidade da água e a saúde mental de comunidades inteiras.

O ano de 2024 foi especialmente desafiador para o Brasil. Inundações no Sul do país, secas no Norte, queimadas no Pantanal. A pior epidemia de dengue dos últimos 40 anos. Os vetores de doenças, como mosquitos, também se adaptam. O Aedes aegypti, transmissor da dengue, zika e chikungunya, modifica seu ciclo, aumentando a circulação e ampliando a transmissão dessas doenças, devido, em grande parte, a esse clima mais quente.

Enquanto isso, a poluição do ar — agravada por queimadas e emissões de combustíveis fósseis — aumenta casos de asma e reduz a expectativa de vida. Segundo a OMS, 99% da população global respira ar com qualidade abaixo do recomendado, principalmente causada por materiais particulados e dióxido de nitrogênio.

No Brasil, pela primeira vez em 2024 lançamos o painel de qualidade do ar, o VIGIAR, uma iniciativa que uniu o Ministério da Saúde e o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima. A ferramenta, chamada Painel Vigiar: Poluição Atmosférica e Saúde Humana, identifica áreas com maior exposição ao material particulado fino e seus impactos na saúde humana. O objetivo é apoiar a formulação de políticas públicas e ações de saúde ambiental, além de melhorar a qualidade das informações e fortalecer a vigilância em saúde no Brasil.

A crise climática é um espelho das injustiças sociais. Enquanto os países mais ricos são os maiores emissores de gases de efeito estufa, as nações no sul global — como o Brasil — arcam com secas devastadoras no Nordeste, perdas agrícolas no Centro-Oeste e epidemias de doenças infecciosas, como o caso do Oropouche no Espírito Santo.

Nas cidades, a falta de árvores e o asfalto que retém calor tornam as periferias verdadeiras "ilhas de calor", onde morar pode ser um risco à vida. A OMS estima que as mudanças climáticas podem causar pelo menos 150 mil mortes por ano e que esse número pode chegar a 300 mil anualmente devido às emergências climáticas.

OPORTUNIDADE

Nesse sentido, a COP30 é uma oportunidade ímpar para consolidarmos políticas públicas que integrem saúde e clima, como sistemas de alerta precoce para desastres, unidades de saúde adaptadas a emergências e profissionais capacitados para lidar com doenças emergentes.

No ano de 2024, pela primeira vez o Brasil publicou e investiu em capacitações sobre esse tema para profissionais de saúde. Publicamos e disseminamos o guia, em que o objetivo é facilitar o atendimento dos profissionais de saúde com acesso rápido às informações, para que as orientações aos pacientes sejam feitas com mais segurança. As mudanças climáticas são uma realidade recente para a população e, para os profissionais, não é diferente.

Além disso, colocamos a pauta da saúde ambiental como prioridade e, em nome do Ministério da Saúde, tive o privilégio de assinar o compromisso brasileiro em Baku, durante a COP29, da carta de intenções da Coalizão de Continuidade das Presidências da COP de Baku para o Clima e a Saúde, na qual cada presidência subsequente foi convidada a se juntar à coalizão para fortalecimento dessa agenda e o reconhecimento de que saúde e clima são indissociáveis.

Ao reduzir a própria pegada de carbono e, simultaneamente, fortalecer a capacidade de resposta a riscos climáticos, o setor saúde não só contribui para frear o aquecimento global, mas protege diretamente a saúde das populações mais vulneráveis.

Projeto o Projeto Água Limpa + Saúde prioriza a saúde de quem vive no campo e o meio ambiente.
Meio ambiente e saúde. Crédito: Crédito Freepik

Por isso, o convite que recebi compõe uma sequência de compromissos com essa agenda planetária. A realização da COP30 no Brasil, a primeira a ser sediada na Amazônia, talvez seja uma gota de esperança em um mundo em agonia. Volto da primeira reunião de enviados especiais com a esperança renovada. As cartas do embaixador André Corrêa (Cartas da Presidência) são um chamado à ação contra a crise climática para formarmos um imenso "mutirão" global para cuidar do planeta, nossa casa comum.

Os líderes devem honrar o Acordo de Paris e sua determinação para limitar o aumento da temperatura global a 1,5°C. Vidas humanas dependem disso. Por isso, investir em infraestrutura verde, promover práticas sustentáveis e conscientizar sobre os impactos das mudanças climáticas na saúde são passos fundamentais. O Brasil tem a chance de liderar iniciativas globais que demonstrem como integridade ambiental e bem-estar social podem coexistir.

Em Laudato Si', o Papa Francisco nos convida a uma conversão ecológica, a ver a Terra não como um recurso a ser explorado, mas como uma casa comum a ser protegida e amada. Essa visão holística do planeta nos chama à urgência de uma nova solidariedade global, onde o cuidado pela criação anda de mãos dadas com a justiça social.

No contexto das crises climáticas, a mensagem de Laudato Si' ressoa ainda mais forte. O papa exorta os governos e as indústrias a reconhecerem sua responsabilidade na poluição e a tomarem medidas concretas para reduzir as emissões de gases de efeito estufa. No entanto, a mudança também deve partir de cada um de nós, adotando um estilo de vida sustentável e consciente.

É fundamental que as nações não se limitem a declarações de intenções, mas implementem políticas concretas que integrem saúde e meio ambiente. A próxima COP30 oferece uma plataforma crucial para reafirmar esses compromissos. A floresta amazônica, frequentemente definida como o "pulmão do mundo", desempenha um papel essencial na regulação do clima global e na conservação da biodiversidade. Aqui, o desafio de Laudato Si' encontra um terreno fértil para florescer em ações tangíveis e solidárias.

Desde a histórica Cúpula da Terra de 1992, no Rio de Janeiro (Rio 92), o Brasil tem desempenhado um papel crucial na pauta ambiental global. Conhecida como a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, a Rio 92 foi um marco na conscientização e na elaboração de políticas voltadas para a sustentabilidade. Durante a cúpula, foram estabelecidos importantes acordos e princípios, como a Agenda 21, que delineou um plano de ação abrangente para o desenvolvimento sustentável no século XXI.

Avançando mais de três décadas, chegamos à COP30, que simboliza não apenas a continuidade dessas ações, mas uma intensificação da luta contra as mudanças climáticas. No contexto atual, onde as consequências do aquecimento global são cada vez mais evidentes, é essencial que as nações trabalhem juntas para implementar soluções sustentáveis. O Brasil, com sua rica biodiversidade e vastas florestas tropicais, tem um papel fundamental na mitigação das mudanças climáticas e na proteção da saúde global.

Por fim, o que precisa ficar entendido é que proteger o clima é cuidar das pessoas. Cada grau a menos no termômetro global significa vidas poupadas, sorrisos preservados e futuros possíveis. A ciência já nos deu o diagnóstico; agora, precisamos da coragem para agir. Como costumo dizer: não há saúde planetária sem justiça social — e vice-versa.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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