É juiz do Trabalho, mestre em Processo, especialista em Direito do Trabalho e economista. Professor de graduação e pós-graduação da FDV. Neste espaço, busca fazer uma análise moderna, crítica e atual do mercado e do Direito do Trabalho

Igualar licenças é garantir as mesmas oportunidades para pais e mães no trabalho

Quando a Constituição Federal (art. 7°, XXX) veda a diferenciação de salários entre homens e mulheres, parte de uma premissa muitíssimo rasa, não adentrando na estrutura do preconceito

Publicado em 19/03/2024 às 02h10

Estamos no mês em que se comemora o Dia Internacional da Mulher, o que faz a sociedade lembrar dos grandes desafios historicamente enfrentados e o quanto ainda persiste de discriminação do gênero. No mercado de trabalho, em que pese grandes avanços legais ocorridos nos últimos anos, há muito ainda a ser escalado nesse abismo.

Voltando um pouco na história, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), ainda tão defendida (e idolatrada) por muitos, criada sob a égide ditatorial do Estado Novo, possuía normas que, formalmente (e apenas formalmente) ostentavam um caráter de proteção da mulher. Suas regras, em verdade, eram meras proibições de trabalho para mulher e não mecanismos que as defendessem em condições de trabalho desfavoráveis.

Por exemplo, o artigo 379 proibia o trabalho noturno, salvo em certos estabelecimentos (art. 380) e desde que ela apresentasse atestado médico que a autorizasse (oi?). O art. 387 proibia que mulher trabalhasse na construção civil, em subterrâneos, em mineração, subsolos e afins. Agora pasme excelência, o art. 446 presumia autorizado o trabalho da mulher casada, facultando a ela o recurso ao Judiciário em caso de oposição do marido.

(Um minuto de silêncio).

Um dos autores da CLT, Segadas Vianna – eram todos homens por sinal – disse o seguinte, em um dos mais clássicos manuais de direito do trabalho: “(...) a mulher trabalhadora, ao deixar a loja ou oficina, encontra, ainda, no seu lar, tarefas a realizar e que são próprias do seu sexo: a arrumação da casa, o conserto do vestuário, o preparo da alimentação, o cuidado dos filhos” (Instituições..., 19ª ed, 1995).

Infelizmente ainda tem muita gente que pensa assim.

Voltando ao mundo atual, da realidade de um Estado Democrático de Direito positivado pela Constituição de 1988, ainda longe do mundo igualitário ideal, já podemos vislumbrar alguns avanços. Segundo levantamento do Observatório Nacional da CNI, a partir de dados da PNAD continua, nos últimos dez anos os salários das mulheres, numa análise macro, vem se aproximando do salário dos homens. Nesse período, houve um aumento de paridade salarial em 6,7 pontos, numa escala de 0 a 100, saltando de 72 para 78,7 pontos em dez anos. Ainda é longe, mas o avanço é considerável.

Ainda segundo a PNAD, observou-se que do 4º trimestre de 2022 ao 4º trimestre de 2023, o salário das mulheres aumentou 8,4%, contra apenas 6,3% entre os homens. A curva é para cima e, mantido o crescimento, em algum ponto do futuro próximo, os salários se equipararão.

Decisão do STF sobre licença-maternidade é importante para igualdade de gênero
Mãe e bebê. Crédito: Kristina Paukshtite/ Pexels

Ademais, outros dados da pesquisa também são animadores: a) As mulheres possuem mais escolaridade que homens (numa média de 12 anos de estudos para elas, contra 10,7 para eles); b) o índice de empregabilidade das mulheres subiu nos últimos 10 anos de 62,6 para 66,6, um crescimento de 6,4%. Por fim, não menos importante, a ocupação de cargos de liderança subiu de 35,7% para 39,1%.

A estrutura social, com notável preconceito arraigado, ainda é o grande óbice, mas também com possibilidade de severas melhoras na parte legal. Quando a Constituição Federal (art. 7º, XXX) veda a diferenciação de salários entre homens e mulheres, parte de uma premissa muitíssimo rasa, não adentrando na estrutura do preconceito.

A começar porque, se raso fosse o problema, não haveria os deletérios efeitos do preconceito. Ora, se empresas visam ao lucro e se mulheres recebem salários menores, então empresas lucrativas só contratariam mulheres e economizariam um troco. Ocorre que mulheres, mesmo em exercício de cargos de gestão, ganham menos que homens porque são contratadas por empresas que pagam menos, normalmente menores e com reduzidas margens de lucro.

Mulheres perdem oportunidade de crescimento em razão da estrutura social e da legislação que, ao tentar protegê-las, as diferencia de homens, a ponto de desincentivar sua contratação.

Imaginemos uma empresa que respeita as leis e tem dois funcionários, a Maria e o João, ambos recebem o mesmo salário, exercem a mesma atividade e a desempenham em igual qualidade e produtividade. O empregador, primando pelo mérito, diz aos dois que em janeiro de 2025 vai abrir uma vaga gerencial e que será ocupada por quem tiver o melhor desempenho em 2024. Tudo justo, em respeito à lei, sem preconceitos rasos.

Logo depois disso, Maria descobre que está grávida. No mesmo período João descobre que sua esposa também está grávida. Os dois colegas são amigos, moram próximos etc. Durante a gravidez, Maria se ausenta, digamos, dez vezes do trabalho, justificadamente, para ir ao ginecologista, e não tem nenhum desconto do salário (a empresa cumpre a lei). A mulher do João também vai dez vezes ao mesmo médico. João, pai que “participa”, consegue acompanhar sua esposa em apenas cinco consultas/exames, nos demais, tem que trabalhar (sim, contém ironia). Os filhos nascem no mesmo dia e na mesma maternidade, coincidência. Maria fica quatro meses afastada para cuidar de seu rebento no período neonatal, João, apenas cinco dias. É a lei. Nenhum teve qualquer prejuízo salarial pelo fato ocorrido e a empresa até enviou flores para as mamães.

Pergunto: quem vai ser promovido em 2025 por ter tido melhor performance?

Será que não devemos avançar na lei, e igualar a licença paternidade à licença maternidade? Na última semana o STF garantiu à mãe não gestante em união homoafetiva o direito à licença, mas, se a outra companheira adquiriu a licença de quatro meses, esta tem direito apenas a cinco dias, como se fosse o pai (STF, 13/03/2024). Como judiciário, não dava para inovar, mas a decisão tem sua grande parcela de evolução. Doutro lado, há um projeto de lei no Senado que amplia a licença-maternidade para 180 dias, podendo a mãe transferir 60 dias para o pai.

Igualar as licenças tem um duplo efeito: a) permite que ambos, mulher e homem, tenham as mesmas limitações no decurso do contrato de trabalho, garantindo idênticas oportunidades de crescimento, sem que este se sobressaia sobre aquela (trabalhando enquanto a mulher se afasta) e, principalmente, b) muda aquele falso paradigma social de que apenas a mulher deve cuidar do bebê no neonatal, trazendo o homem para o verdadeiro mundo real, onde divide as responsabilidades e obrigações do lar.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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