Em 1999, fui convidado para trabalhar na Aracruz Celulose. O motivo? Ajudar a convencer os estivadores de Roterdã, que ameaçavam não desembarcar a celulose da empresa por denúncias de que eram usadas árvores da Amazônia na produção. Num período pré-digital, mostrar que só se usavam eucaliptos do Espírito Santo exigia um grande esforço de comunicação.
Até pouco tempo, a Floresta Amazônica era valorizada apenas por sua biodiversidade, e não como reservatório de carbono para o mundo e fonte de abastecimento de água de várias regiões do Brasil e da América do Sul.
Em termos de água, isso se deve a um fenômeno natural chamado “Rios Voadores”, que tem papel crucial no regime de chuvas do Brasil e de outros países do continente. A Floresta Amazônica funciona como uma gigantesca bomba viva, transportando água fresca renovada pela evaporação do oceano.
As árvores retiram água do solo que, por meio de sua transpiração, sobe para a atmosfera, como um vapor cujo volume é superior à vazão diária do Rio Amazonas em sua foz. Para isso, a floresta capta do Sol uma energia equivalente à de 40 mil usinas de Itaipu. Esse vapor é transportado pelos ventos de grande altitude em direção ao Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil, e até mesmo Bolívia, Paraguai e Argentina.
Quando o ar úmido encontra frentes frias vindas do Sul, a umidade se condensa, causando chuvas que abastecem rios, reservatórios e sistemas agrícolas em regiões distantes da Amazônia, responsáveis por 70% do PIB do continente.
Os benefícios para as demais regiões do país são as chuvas para a agricultura e o abastecimento de água no Centro-Oeste, Sudeste e Sul, além de parte do Nordeste, sendo vitais para a agricultura, a indústria e as populações dessas regiões. A floresta também contribui para a manutenção dos reservatórios para a geração de energia elétrica, responsáveis por 55% da energia gerada no país em 2024; a moderação da temperatura e da umidade relativa do ar; e a manutenção do nível da economia e do bem-estar da sociedade. Além disso, os rios voadores têm papel crucial no clima da Amazônia, ajudando a manter a biodiversidade e a prevenir a desertificação.
No entanto, os “Rios Voadores” só existirão enquanto a Floresta Amazônica estiver de pé. Se forem enfraquecidos ou extintos pelo desmatamento, isso terá um impacto gigantesco, podendo tornar a maior parte do país árida, reduzindo todos os benefícios citados e fazendo o país retroceder dramaticamente.
Segundo estimativa do Mapbiomas, uma iniciativa que mapeia a cobertura e uso da terra no Brasil, o desmatamento até o final de 2024 atingiu entre 19% e 20% do que era a vegetação nativa original. Vários cientistas estimam que se o desmatamento atingir 25%, uma parte significativa da Floresta Amazônica poderá chegar a um “ponto de não retorno”, entrando gradativamente em colapso, independentemente da ação humana, e convertendo-se em savana degradada.
Já outros avaliam que a sua tolerância ainda comporta oportunidades, desde que sejam adotadas medidas como a estabilização do clima global, o controle do desmatamento, programas de restauração e a inviolabilidade das Terras Indígenas. A primeira é a mais difícil, pois depende de uma ação global coordenada que está longe de ser atingida, e as demais são também difíceis, pois, embora dependam apenas de nós, o país ainda não demonstrou eficácia para garantir que sejam bem-sucedidas na escala e no tempo necessários.
A situação é de extrema gravidade. Há um risco alto de que o tamanho da Floresta Amazônica venha a ser substancialmente reduzido nas próximas décadas, diminuindo com isso o volume dos “Rios Voadores”. É preciso que o país não só interrompa o desmatamento o mais rapidamente possível, como prepare planos de contingência para lidar com as suas consequências. O que está em jogo não é só a Amazônia, mas o Brasil.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.
