É escritora de ficção e professora de cinema. Escreve às terças-feiras sobre livros, filmes, atualidades variadas e fatos contemporâneos

O etarismo e a desvalorização da velhice

Muitas vezes, não é a idade o que mais importa para o desmerecimento às potencialidades dos humanos que envelhecem. Importam os descasos, os preconceitos, a falta de atenção, o desprezo e, sobretudo, a falta de empatia e até a crueldade

Publicado em 25/10/2022 às 00h10

Certa vez, na fila do cinema para rever “Quanto mais quente melhor”, de Billy Wilder, um de meus filmes prediletos, escutei uma trêfega senhorita, modelito academia de ginástica, referir-se desdenhosamente a Marilyn Monroe como sendo “aquela atriz gorda e velha”. Estremeci. Tal qual Simone de Beauvoir deve ter estremecido ao escutar de uma estudante americana a seguinte exclamação: “Mas, então, Simone de Beauvoir não passa de uma velha!”

Qual seria o gatilho para esse tipo desabonador de comentário? Seria a ignorância de tanta gente, a inconsequência de tantos jovens, a indiferença de tantas pessoas que fazem com que persista por tantos séculos a tradição de emprestar um sentido pejorativo à velhice?

Vocês devem lembrar do belo “A balada de Narayma”, filme de Shohei Imamura. A história se passa em um pequeno povoado japonês onde o costume é que os parentes levem os velhos ao cume de uma montanha e os abandonem ali para que morram, deixando de ser uma boca a mais para alimentar ou um peso para as famílias.

Pois, mesmo hoje, vivemos tempos parecidos. E que ninguém me venha com aquela treta de dizer que velhos não são abandonados à morte em montanhas, que isso é coisa de lendas antigas e de ficção. No caso de agora, o abandono e a morte se dão em outros termos. Nesta era em que vivemos, tudo aquilo que é considerado “velho” fica sujeito ao descarte. Aí se incluem as pessoas, como se fossem mercadorias de validade vencida, ultrapassadas, impróprias para o consumo.

Muitas vezes, não é a idade o que mais importa para o desmerecimento às potencialidades dos humanos que envelhecem. Importam os descasos, os preconceitos, a falta de atenção, o desprezo e, sobretudo, a falta de empatia e até a crueldade, como aquela revelada na fala da jovem que citei no começo. Muitas são as pragas internalizadas pelo etarismo, que é o termo usado pelo gerontologista Robert N. Butler para descrever a discriminação contra adultos mais velhos.

Nos tempos de hoje, o excessivo culto à juventude e ao corpo demanda uma constante adaptação às novidades, como ensina Gilles Lipovetsky. No entanto, a velhice pode ser pensada não apenas com base decrepitude biológica. Se é inevitável que as marcas do tempo tracem um mapa sobre a pele e causem avarias e estragos nos órgãos humanos, também é possível que as criaturas envelheçam sem perder a estrutura de afetos, sensibilidades e condições de raciocínio que formatam ao longo da vida. Muito pelo contrário. Nesses termos, existem velhos que têm 20 anos e jovens de mais de 80.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

A Gazeta integra o

Saiba mais

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.

A Gazeta deseja enviar alertas sobre as principais notícias do Espirito Santo.