É jornalista e escritora, escreve quinzenalmente a coluna Sextas Crônicas

Preta, orgulhosamente Gil: a vida boa é aquela bem vivida

Nascer filha de Gilberto Gil é uma dádiva, deixar um legado de luta contra a gordofobia, o racismo, a misoginia, a homofobia e o ódio, é trabalho

Vitória
Publicado em 25/07/2025 às 05h00

Hoje, peguei a palavra pelo rabo para escrever esta crônica. Palavra é bicho independente, feito gato. Vem quando quer. Do nada, some. Depois volta, toda querendo se enroscar nas nossas pernas até subir à boca. Nada está dado nos segundos que antecedem os dedos no teclado. Exceto, é claro, se terceirizarmos a escrita. Aí o voyeurismo explica e sobre isso nada a declarar. Vida: cada um que viva a sua.

Preta partiu e o pesar que senti encontrou conforto na inteireza do seu legado, construído, conquistado. Tudo o que o mercado apontava nela como símbolo de vergonha foi transmutado em vitória. Suas cicatrizes foram sinais de vida. Ela usou bem este curto espaço de tempo entre o primeiro choro e o último suspiro.

Ninguém gosta de pensar na finitude, mas ela está posta. Não adianta distrair-se com a vida alheia para esconder essa verdade. Justamente porque a vida acaba é que faz mais sentido vivê-la intensamente. O preço de não viver é mais alto que qualquer perrengue da vida.

A reconciliação com o real pode ou não ser dolorosa, depende muito da disposição para aceitar o que vem, seja aplauso ou vaia. Tomara que você se cure de quem nunca reconheceu que te feriu, dizia Preta. Não importa muito o que venha de lá, desde que estejamos no lugar que nos pertence.

Falar da Preta é falar de iluminar caminhos de pertencimento. O que pode ser mais generoso? Libertar-se é querer o outro liberto, ela repetia. E lá ia ela abrir frente, colocar seu bloco na rua. Lá ia a Preta erguer o estandarte da alegria de viver.

Publicação no instagram relembra Bloco da Preta Gil em 2018, no Rio de Janeiro
Publicação no instagram relembra Bloco da Preta Gil em 2018, no Rio de Janeiro. Crédito: Instagram/@blocodapreta

A verdade inconveniente é que a alegria, como o amor, é um movimento. Isso nos responsabiliza demais com a nossa própria vida. Sim, Preta, orgulhosamente Gil, construiu sobre o seu nome. Nascer filha de Gilberto Gil é uma dádiva, deixar um legado de luta contra a gordofobia, o racismo, a misoginia, a homofobia e o ódio, é trabalho.

Preta e sua humanidade exposta reverberam neste momento caótico do mundo e abrem alas para seu recado final, feito em silêncio: a amorosidade da sua rede de amigos. Construir amor verdadeiro, este amor amplo que fala por si, é deixar mais um sinal de que a vida boa é a bem vivida.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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