Autor(a) Convidado(a)
É médica oncologista do Hospital Santa Rita

Preta Gil, a morte e o mito da luta perdida

Passar pela morte não é ser vencido, porque até o último dia de nossas vidas o que temos de mais importante a fazer é viver, seja em meio a alegrias, superações, recaídas, lágrimas, diagnósticos e tratamentos

  • Virgínia Altoé Sessa É médica oncologista do Hospital Santa Rita
Publicado em 23/07/2025 às 11h27

Pensar a finitude da vida pode despertar uma série de emoções e questionamentos. O medo da morte é comum no ser humano, e uma reação esperada principalmente em meio a situações de enfermidade.

No paciente oncológico, não é diferente. Apesar dos avanços nos tratamentos, o câncer ainda é associado, muitas vezes, à mortalidade. A partida da cantora Preta Gil, no último domingo (20), entristeceu muitos brasileiros que torciam e acompanharam, mesmo de longe, a trajetória da artista no tratamento do câncer colorretal, diagnosticado em 2023.

Desde então, Preta tornou pública sua jornada. Mostrou resiliência e força, mesmo em meio a tantas incertezas e diagnósticos desfavoráveis. Num primeiro momento, o desfecho pode ser interpretado como uma luta em vão: “Perdeu a luta para o câncer”, muitos pensam e dizem.

Viver uma enfermidade, contudo, não é estar em constante combate. Esse enredo conhecido e repetitivo da “batalha perdida contra o câncer” nos remete a pensar que quem morreu simplesmente foi vencido. Se assim fosse, toda a humanidade seria derrotada diante da incontestável certeza da terminalidade que nos espera.

Com o devido respeito à dor da partida, reaprender a encarar a morte também é uma forma de valorizar e eternizar a beleza da vida, a dignidade de quem passou pela doença, dos anos de sobrevida que esse paciente pôde desfrutar graças às suas forças e aos esforços de todos que estiveram com ele nessa jornada, que não é feita só de sofrimento.

A morte não emudece as vozes nem a história de quem vive com a enfermidade e busca, cada um a seu modo, superar os momentos difíceis.

Cantora Preta Gil
Cantora Preta Gil. Crédito: Reprodução/Instagram/@pretagil

Afinal, viver cada dia é uma vitória constante que a morte não é capaz de ofuscar. E também me refiro a toda rede de apoio que dispensa cuidados, afetos e dedicação a esse paciente oncológico. Todos eles acumulam vitórias diárias e nenhuma finitude invalida essa realidade.

Passar pela morte não é ser vencido, porque até o último dia de nossas vidas o que temos de mais importante a fazer é viver, seja em meio a alegrias, superações, recaídas, lágrimas, diagnósticos e tratamentos.

Mais do que a lembranças de uma artista com uma legião de fãs, Preta deixa um legado de perseverança que continuará vivo na memória dos que ficam, especialmente daqueles que passam pelo diagnóstico de câncer. Para muitos deles, felizmente a doença será superada, mas a morte nunca será derrota, apenas um desfecho inevitável que faz parte dessa viagem que não sabemos quando vai terminar. Para todos nós.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

A Gazeta integra o

Saiba mais
Saúde câncer medicina Comportamento

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.