É professor de Economia

Era digital levou à desumanização do trabalho, sem vínculo e direitos

Automação digital cada vez mais dispensa trabalhadores e submete-os a regras e acompanhamentos à distância e com pouca conexão com o resultado de seu esforço produtivo

Publicado em 10/10/2019 às 05h02
Tecnologia e a transformação do mercado de trabalho. Crédito: Shutterstock/Divulgação
Tecnologia e a transformação do mercado de trabalho. Crédito: Shutterstock/Divulgação

É antigo o processo de deterioração do mundo do trabalho. O controle pela máquina dos processos produtivos – maquinofatura - ganhou impulso com a Revolução Industrial no século XVIII e vem desde então se intensificando. Foi objeto de inúmeras críticas pelo seu poder alienante do ser humano tanto na produção de bens e serviços quanto no uso e consumo deles.

Alienação e desumanização no processo de produção que Chaplin bem retratada em "Tempos modernos", nos primórdios do fordismo e sua permanente busca de ganhos de escala e diminuição de custos do trabalho. Desconsideração para com o que acontece às pessoas retratada em "Tudo ou nada", de 1998, que com humor expõe o drama de personagens diversas demitidas da indústria do aço em Sheffield, Inglaterra, berço da Revolução Industrial.

Drama de engenheiro demitido em função do processo de terceirização adotado pela empresa onde trabalhava, retratado por Costa-Gravas em "O corte", de 2005. Mais do que o emprego, a perda é de identidade em função da crença generalizada de que a profissão é a raiz de todas as realizações.

Alienação e precarização no mundo do trabalho que também se reflete nos serviços que são prestados a quem trabalha. Como é o caso da frieza com que o personagem de Darin em um dos episódios de "Relatos selvagens", de 2014, é recebido por atendentes de agência de trânsito.

Como também é o caso de Daniel Blake quando busca receber os benefícios concedidos pelo governo a quem é aconselhado a deixar de trabalhar pelos médicos em função de ataque cardíaco sofrido. O personagem principal de "Eu, Daniel Blake"!, de 2017, na busca de seus direitos esbarra na exagerada burocracia digitalizada e no fato de ser uma analfabeto digital.

Com mais ou menos humor, são relatos cinematográficos que repercutem registros feitos por estudiosos e que constatam a desumanização que ocorre a passos largos desde a automação mecânica dos processos de produção e que acelerou-se na era digital. Automação digital que cada vez mais dispensa trabalhadores e que submete-os a regras e acompanhamentos à distância e com pouca conexão com o resultado de seu esforço produtivo. Automação digitalizada que torna cada vez mais dispensável conhecimentos e habilidades incorporadas em pessoas – o que faz com que empresas prefiram o trabalho terceirizado e/ou intermitente.

Era digital que tornou trivial a captação de informações, seu processamento e transmissão a qualquer distância a custos quase irrisórios. Informações que se avolumam em bancos de dados que são cruzados quase que instantaneamente e que dão poder de controle econômico, social e político a poucas empresas que detêm algoritmos que realizam os cruzamentos.

Algoritmos que controlam procura e demanda por bens e de forma crescente de serviços. Serviços que até recentemente eram prestados por profissionais liberais e que cada vez têm que se submeter às regras estabelecidas pelo poder financeiro que dispõe de algoritmos.

Serviços de transporte público individual, por exemplo, que passam a ser prestados por quem foi dispensado de postos de trabalho pela automação digitalizada e que agora se submetem à regras da uberização: sem vínculo, sem direitos trabalhistas. Uberização que, a exemplo do fordismo dos tempos de automação mecânica/eletrônica, vai se expandindo para diversas áreas da produção de bens e de serviços.

Uberização que de formas múltiplas e com conteúdos diversos está cada vez mais próxima de atividades de profissionais liberais como os que atuam na prestação de serviços de saúde, educação, dentre outros. Profissões liberais que tendem a desaparecer num mundo regido pelo neoliberalismo do século XXI.

Neoliberalismo dominado pela financeirização mundializada que se expande sem regulação, com baixa contribuição tributária e que precariza o mundo do trabalho, seja ele no campo ou na cidade; na produção agrícola, industrial ou de serviços. Que torna refém de suas vontades de ganho fácil e a curto prazo trabalhadores, profissionais liberais, micro/pequenas/médias empresas. Que cada vez mais mostra sua face perniciosa na devastação de recursos naturais Brasil adentro e mundo afora.

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