Escrevo hoje para as que ousam ser o que são. Para as que escalam montanhas, mas também para as que preferem a calma de casa. Para as que sonham grande e as que têm vontades modestas. Para as que se movimentam do modo como lhes apetece, apesar do medo, dos perigos e dos julgamentos que virão. Para as que respeitam e celebram outras mulheres, a despeito da disputa que aprendemos a alimentar.
Escrevo em memória da moça que caiu no precipício enquanto fazia trilha na Indonésia.
Juliana Marins tinha 26 anos e, segundo a ordem natural das coisas, uma vida toda pela frente. Carioca, formada em Publicidade e Propaganda, dançarina de pole dance, segundo o obituário dos jornais. Sorriso largo, fácil, conforme vemos nas fotos. O mochilão por paisagens do Sudeste asiático era um sonho antigo, de acordo com o depoimento de uma amiga.

Acompanhei comovida as notícias sobre o que houve com ela, desde a queda num lugar de difícil acesso e as expectativas da família até a demora nas buscas, quatro dias de abandono a 650 metros de profundidade num buraco sem água ou ombro amigo, sabe-se lá com que dores, frio, saudades, fome ou esperanças.
Estava morta quando o resgate chegou.
Assisti também às opiniões que julgavam seu espírito livre como causa da tragédia, atribuíam o acidente ao fato dela estar sozinha longe de casa, questionavam seu modo de viver, criticavam a escolha de um caminho diferente ou distante do esperado.
O que teria acontecido e como seriam as reações se Juliana fosse um homem?
Ser livre e aventureira para uma mulher é indiscutivelmente mais difícil.
Os espaços públicos não nos pertencem; atividades radicais muito menos. A noite, o bar, a diversão descompromissada, igualmente, fazem parte do domínio dos homens. Andar sem companhia, então, nem se fala. Se os escolhemos, estamos por nossa conta e risco. Não são poucos a nos lembrar disso, como não foram poucos apontando dedos para a moça que caiu no precipício enquanto fazia trilha na Indonésia.
Fosse ela recatada e do lar, dizem os dedos, estaria viva. Quem sabe teria a proteção divina se não dançasse pole dance. Pra que ser livre, meu Deus?, que perigo!
Coragem não merece castigo — mas, na visão de muita gente, só se for coragem de homem ou de mulher guerreira a serviço dos outros, nunca de si mesma e seus desejos de doida. A coisa muda de figura se a coragem for de uma mulher sozinha, daquelas que se aventuram de forma radical ainda por cima. Neste caso, os julgamentos não tardam e não falham.
Juliana Marins alimentou o direito de andar livremente. Mesmo para quem não tem no sangue o gosto por atividades radicais, fica difícil não se comover com o trágico destino da aventureira numa trilha pelo Monte Rinjani e seus 3.726 metros de altitude. Quando uma mulher livre morre por suas escolhas, morre um pouco a liberdade de todas nós.
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