É jornalista e escritora, com passagens pelos jornais A Gazeta e Folha de São Paulo e pelas revistas Bravo! e Vida Simples. Autora dos livros Todo Sentimento e Quase um Segundo, escreve aos domingos sobre assuntos ligados à diversidade, comunicação e cultura

Carta aberta às mulheres livres [em memória de Juliana Marins]

Quando uma mulher livre morre por suas escolhas, como a moça que caiu no precipício enquanto fazia trilha na Indonésia, morre um pouco a liberdade de todas nós

Publicado em 29/06/2025 às 05h30

Escrevo hoje para as que ousam ser o que são. Para as que escalam montanhas, mas também para as que preferem a calma de casa. Para as que sonham grande e as que têm vontades modestas. Para as que se movimentam do modo como lhes apetece, apesar do medo, dos perigos e dos julgamentos que virão. Para as que respeitam e celebram outras mulheres, a despeito da disputa que aprendemos a alimentar.

Escrevo em memória da moça que caiu no precipício enquanto fazia trilha na Indonésia.

Juliana Marins tinha 26 anos e, segundo a ordem natural das coisas, uma vida toda pela frente. Carioca, formada em Publicidade e Propaganda, dançarina de pole dance, segundo o obituário dos jornais. Sorriso largo, fácil, conforme vemos nas fotos. O mochilão por paisagens do Sudeste asiático era um sonho antigo, de acordo com o depoimento de uma amiga.

Foto retirada das redes sociais da brasileira Juliana Martins, de 26 anos, que caiu em um vulcão na Indonésia
Foto retirada das redes sociais da brasileira Juliana Marins, de 26 anos, que caiu em um vulcão na Indonésia. Crédito: Redes sociais

Acompanhei comovida as notícias sobre o que houve com ela, desde a queda num lugar de difícil acesso e as expectativas da família até a demora nas buscas, quatro dias de abandono a 650 metros de profundidade num buraco sem água ou ombro amigo, sabe-se lá com que dores, frio, saudades, fome ou esperanças.

Estava morta quando o resgate chegou.

Assisti também às opiniões que julgavam seu espírito livre como causa da tragédia, atribuíam o acidente ao fato dela estar sozinha longe de casa, questionavam seu modo de viver, criticavam a escolha de um caminho diferente ou distante do esperado.

O que teria acontecido e como seriam as reações se Juliana fosse um homem?

Ser livre e aventureira para uma mulher é indiscutivelmente mais difícil.

Os espaços públicos não nos pertencem; atividades radicais muito menos. A noite, o bar, a diversão descompromissada, igualmente, fazem parte do domínio dos homens. Andar sem companhia, então, nem se fala. Se os escolhemos, estamos por nossa conta e risco. Não são poucos a nos lembrar disso, como não foram poucos apontando dedos para a moça que caiu no precipício enquanto fazia trilha na Indonésia.

Fosse ela recatada e do lar, dizem os dedos, estaria viva. Quem sabe teria a proteção divina se não dançasse pole dance. Pra que ser livre, meu Deus?, que perigo!

Coragem não merece castigo — mas, na visão de muita gente, só se for coragem de homem ou de mulher guerreira a serviço dos outros, nunca de si mesma e seus desejos de doida. A coisa muda de figura se a coragem for de uma mulher sozinha, daquelas que se aventuram de forma radical ainda por cima. Neste caso, os julgamentos não tardam e não falham.

Juliana Marins alimentou o direito de andar livremente. Mesmo para quem não tem no sangue o gosto por atividades radicais, fica difícil não se comover com o trágico destino da aventureira numa trilha pelo Monte Rinjani e seus 3.726 metros de altitude. Quando uma mulher livre morre por suas escolhas, morre um pouco a liberdade de todas nós.

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