É engenheiro de produção, cronista e colhereiro. Neste espaço, sempre às sextas-feiras, crônicas sobre a cidade e a vida em família têm destaque, assim como um olhar sobre os acontecimentos do país

Um mergulho em busca da toca da lagosta na Ilha do Boi

Comecei a pegar lagostas com uns 13 anos de idade. Bateu uma enorme saudade do meu tempo de rapaz arrojado e uma vontade danada de mergulhar, o que não fazia desde 1994. E lá fui eu

Publicado em 04/02/2022 às 02h00

Comecei a mergulhar em busca de lagostas com uns 13 anos. Éramos uns 4 ou 5 moleques que passavam horas no mar procurando antenas e tentando acertar as pontas do tridente na carapaça de lagostas miúdas.

O material de mergulho era bem simplório: tridentes e bicheiros eram feitos em casa e meu par de pé-de-pato foi achado na calçada. A chegada das lagosteiras Helmar, de mola, foi um grande avanço. Ninguém tinha roupa de borracha pra se proteger do frio e a gente torcia pela chegada de vento sul, que garantia águas mais limpas.

Os primeiros mergulhos foram nas pilastras do trampolim que existia em frente ao Miramar e no paredão que ia da Praia do Barracão até a casa da família Michelini. Logo passamos a explorar a encosta da Western e a orla entre a Pedra do Relógio, no Iate Clube, e a praia do colégio das freiras.

Remando, exploramos, sempre em duplas, a ilha das Andorinhas, a borda quase completa da Ilha do Frade, com destaque para as pedras das praias da Castanheira e das Panelas, sem falar no famoso Pegador. Mergulhar nas águas profundas do Pesqueiro Grande e da ilha Rasa, áreas de lagostas maiores, exigia mais tarimba e fôlego apurado.

Logo passamos a pescar também no lado norte da Ilha do Boi e das Gaeta de Dentro e de Fora. A bordo da lancha Bacanal, ficou fácil chegar na Ponta de Piranhem, hoje Tubarão, e nas águas frias das ilhas de Itapoã, dos Pacotes, das Escalvadas e das Três Ilhas. De carro, não se perdia viagem aos arrecifes escuros de Manguinhos, Jacaraípe e Nova Almeida. Comer lagosta crua ajudava a matar a fome.

Ao entrar no mar, num final de tarde da semana passada, bateu uma enorme saudade do meu tempo de rapaz arrojado e uma vontade danada de mergulhar, o que não fazia desde 1994, quando enfartei.

Lagosta
O colunista Alvaro Abreu após mergulho na Ilha do Boi. Crédito: Bento Abreu/Instagram

Pedi a Nélio, meu genro, que me emprestasse seu material pra que pudesse observar novamente trechos do fundo do mar, que conhecia de cor. Em especial, eu gostaria de inspecionar uma toca relativamente espaçosa, situada pertinho da beira, onde sempre havia uma lagosta das grandes. Por habitar lugar tão improvável, ela ficava escondida dos mergulhadores desavisados.

No dia seguinte, sob olhares incrédulos do meu pessoal e no foco das lentes dos celulares, lá fui eu devidamente armado e paramentado, em busca do meu passado. Cumprindo um ritual antigo, passei cuspe no vidro da máscara antes de vesti-la, calcei os pés-de pato já dentro d'água, conferi as pontas do bicheiro e do tridente e, em seguida, armei a lagosteira. Tudo sob as melhores expectativas de sempre. Ao afundar, o frio da água percorreu as costas, fez tremer o corpo e acelerar o coração.

Batendo os pés sem pressa, acalmei a respiração e fui em frente, sempre observando o fundo, até chegar na região da bendita toca. Com a água limpa, foi fácil encontrá-la de longe. Emocionado, permaneci um tempo boiando, respirando fundo antes de me aproximar daquele lugar meio mágico. Seria uma verdadeira glória dar de cara com uma lagostona esverdeada me esperando.

Foi duro constatar que a tal toca estava totalmente aterrada, impedindo sua utilização por lagostas de qualquer tamanho. Dei mais uns mergulhos e voltei pra casa sem o trunfo e uma história fantástica pra contar no resto da vida. Bento editou um vídeo safadinho sobre a façanha do pai e jogou nas redes pra quem quiser conferir.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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