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"Sobra imitação e falta originalidade às empresas", alerta presidente da Dom Cabral

Antonio Batista da Silva Júnior, presidente da Fundação do Dom Cabral, uma das mais importantes escolas de negócios do país, afirma se tratar de um problema recorrente nas corporações

Publicado em 02/09/2023 às 03h52
Antonio Batista da Silva Júnior, presidente da Fundação do Dom Cabral
Antonio Batista da Silva Júnior, presidente da Fundação do Dom Cabral. Crédito: Fundação Dom Cabral/Divulgação

Antonio Batista da Silva Júnior, presidente da Fundação do Dom Cabral, uma das mais relevantes escolas de negócios do Brasil, conhece como poucos as empresas do Brasil. A organização que ele preside presta serviços, há décadas, para empresas, empresários e executivos  de todo o país. O executivo fala sobre os desafios atuais da liderança e sobre os novos papéis assumidos pelas empresas.

Nessa troca de ideias com a coluna, ele dá alguns alertas relevantes. "A criatividade não se dá na rotina, a inovação não se dá na rotina, a pessoa precisa de espaço mental para poder criar, precisa de um espaço de tempo para poder criar... É importante o ócio criativo, só que, muitas vezes, o tempo do ócio não é no tempo da produção, do resultado e da performance que a empresa espera".

O executivo esteve em Vitória participando das comemorações dos 25 anos de parceria entre a Fundação Dom Cabral e a DVF aqui no Espírito Santo. 

Como liderar em um momento de tantas e tão velozes mudanças tecnológicas e comportamentais?

De fato estamos vivendo em um mundo de muitas mudanças e que acontecem de maneira muito rápida em todos os campos. No capitalismo - que é o melhor sistema e que nos trouxe até aqui com grandes avanços econômicos e de bem-estar para a humanidade - notadamente há vencedores e perdedores. Isso acaba jogando uma pressão muito forte sobre o papel das empresas, afinal, são uma reserva de competência que a sociedade tem. Diante disso, as empresas estão precisando se reinventar, incorporando pautas que antigamente não eram típicas delas, eram pautas de governo. Me refiro à discussão do clima, da sustentabilidade, da inclusão social... É um novo papel de uma empresa que precisa ser legitimada pela sociedade para sobreviver. No século passado, a empresa era meramente um agente de produção econômica, hoje, é um agente de bem-estar social. Claro, precisa dar lucro, o lucro é importante, mas ela é muito mais do que isso. Precisa gerar riqueza para os acionistas, mas também para os públicos que estão no seu entorno. Portanto, liderar ficou mais complexo. O líder, hoje, precisa ser muito mais um agente do progresso do que um escravo da performance e do resultado. Ele precisa ter altas aspirações, elevar a barra de aspiração da empresa, olhar o longo prazo, trazer as pessoas para o jogo e energizá-las na direção dos resultados desejados. É um desafio novo, complexo e que exige mais dele o papel de grande mobilizador.

Está mais difícil do que foi no passado?

É um ponto interessante. Não acho que o mundo está mudando mais ou menos do que sempre mudou. As mudanças sempre estiveram aí e sempre foram velozes. Eu escutava essa mesma conversa nos anos 80 (risos). O que mudou foi a natureza da mudança, o tipo. Hoje, a mudança é em direção de uma sociedade mais inclusiva, afinal, é inaceitável vivermos nesse apartheid social que o Brasil em particular vive. Tem a questão da tecnologia, que deu mesmo uma acelerada, mas nada muito diferente do que a gente já viveu. A diferença fundamental é que os muros da empresa caíram, ela está assumindo papéis que não eram dela. É uma migração de entregas para a sociedade que, no passado, ficavam apenas com o governo.

Quais os cuidados a empresa deve tomar na hora de explicitar a sua personalidade?

São quatro aspectos importantes. Qual é a estratégia, a visão de longo prazo? Ela precisa ter um alto propósito que queira atingir e isso precisa estar claro entre os colaboradores. É colocar o Norte e estabelecer a estratégia para chegar lá. Em segundo lugar, os processos precisam ser eficientes. Processos de inovação, de custos... É o bilhete para você entrar no jogo. Minimamente você precisa ter qualidade, eficiência e produtividade. O terceiro ponto é desenvolver as pessoas e a cultura. A empresa que não desenvolve pessoas está fadada a morrer. A empresa é do tamanho da cabeça do seu time, se seu time tiver a cabeça pequena, a sua empresa não vai crescer. Educar precisa ser algo constante. O quarto aspecto passa por estabelecer uma boa governança. Falo, por exemplo, de processos sucessórios, que pegam muito nas empresas familiares. São quatro os pilares que a empresa precisa dominar: estratégia, processos, equipe e governança.

Antonio Batista da Silva Júnior

Presidente da Dom Cabral

" Não acho que o mundo está mudando mais ou menos do que sempre mudou. As mudanças sempre estiveram aí e sempre foram velozes. Eu escutava essa mesma conversa nos anos 80 (risos)"

As palavras "inovação" e "transformação" estão na boca de todos os empresários e executivos. Como estabelecer esse processo sem 'afogar' as equipes?

É um fator que precisa ser cuidado. A criatividade não se dá na rotina, a inovação não se dá na rotina, a pessoa precisa de espaço mental para poder criar, precisa de um espaço de tempo para poder criar... É importante o ócio criativo, só que, muitas vezes, o tempo do ócio não é no tempo da produção, do resultado e da performance que a empresa espera. Tem que dar tempo, criar espaços de reflexão sem necessariamente estar vinculados a metas, enfim, estimular o aparecimento das ideias ouvindo o contraditório e as opiniões. Pode parecer caótico no começo, mas isso vira o jogo se a empresa souber gerenciar esse manancial de ideias que vão surgir e que lá na frente se transformarão em inovação.

É processo o tempo todo...

Exato. Todo esse processo pode e precisa ser gerenciado. Não é sufocando, a criatividade vem do espaço livre. Imaginação não é algo mecânico, ela é espontânea.

No meio de todo esse turbilhão de inovação e transformação digital, o que as empresas estão deixando de crucial para trás?

Vejo muito, não em todas, claro, as empresas olhando muito para a concorrência. Quando você olha demasiadamente para o outro, você tende a copiar o outro. O que fica faltando? A sua originalidade, o seu diferencial, o seu modelo. Preocupe-se menos com o seu concorrente e preocupe-se mais com você mesmo, com o que você faz de bom, com o que você faz respeitando a sua vocação, as suas competências. As competências que você tem, só você tem. Se a sua empresa é vencedora, é porque você tem boas competências. Invista nisso, não tente imitar o outro. Acho que está sobrando imitação e faltando originalidade dentro das empresas.

Outro desafio dos nossos tempos é a renovação do conhecimento. Como se manter atualizado?

A cada cinco anos o conhecimento se renova. Isso é um fato. O volume de informações e de conhecimento gerado é estonteante e não dá tempo de acompanhar tudo. O que você aprende em cursos e na faculdade caduca alguns anos à frente. O executivo precisa ter a coragem de desaprender e aprender novamente. Tem de ter a coragem de abdicar de posições pré-concebidas e abrir-se para o novo. A saída é a educação permanente. Só o conhecimento salva.

Como o senhor está enxergando o momento econômico do Brasil? Qual é o cenário?

O Brasil sempre tem condições. É um país rico, rico de recursos, de muitos talentos, ou seja, tem plenas condições de ter um crescimento sustentado, coisa que não conseguimos ter nos últimos 40 anos. O Brasil tem uma crônica incapacidade de sair da armadilha da renda média. Precisamos de educação para avançarmos na produtividade, além de algumas outras pautas relevantes. A questão da transição climática, o Brasil pode liderar isso no mundo, e a inclusão social. É um crime termos a disparidade social que continuamos a ter. Não podemos, no século XXI, conviver com isso. O Estado brasileiro precisa entregar resultados e eficiência, independente de esquerda ou direita. Precisamos de reformas, todas são urgentes, necessárias e bem-vindas. A gente se acostumou com reformas que chegam atrasadas e com perda de potência. Como atrasam, acabam sofrendo mais pressão contrária dos grupos de interesse. Sem elas, que precisam ser constantes, não avançaremos. Temos, por ora, que terminar a tributária e andar com a administrativa, mas me refiro também à educação, à política, à previdência... As reformas não podem parar nunca, é uma atualização constante.

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