A história de Oscarina e Vitória: a jovem capixaba e a cadela inseparável
A história de Oscarina e Vitória: a jovem capixaba e a cadela inseparável . Crédito: Arte A Gazeta

Oscarina e Vitória: a história de jovem capixaba e sua cachorrinha fiel até a morte

Aos 21 anos, Oscarina partiu vítima de tuberculose, mas sua cadela não aceitou deixá-la, permanecendo no túmulo até o fim. História virou livro pelas mãos do biógrafo Estêvão Zizzi

Tempo de leitura: 4min
Vitória
Publicado em 05/10/2025 às 07h44

Há mais de um século, a estátua de uma cadelinha guarda um túmulo em São José dos Campos, no interior de São Paulo. É o testemunho de uma história real de amizade e lealdade: a de Oscarina Guimarães, jovem capixaba que morreu aos 21 anos, e de sua inseparável companheira, a cadela Vitória, que se recusou a deixá-la mesmo após a morte.

Essa história foi resgatada pelas mãos do biógrafo Estêvão Zizzi, advogado e escritor paulista que mora na Capital capixaba. Ele transformou a vida curta de Oscarina em um  livro.

A trajetória da jovem começa com seu pai, Antenor Guimarães, que deixou Niterói (RJ) para se estabelecer em Vitória em 1886. Ele abriu sua própria agência de vapores, estiva e transportes ainda aos 16 anos, construindo uma carreira comercial que se estenderia por 45 anos. Casado com Anna Cruz Guimarães, teve seis filhos, sendo Oscarina Cruz Guimarães sua primogênita, nascida em 16 de agosto de 1893, em Vitória.

Batizada cinco meses depois no Convento da Penha, em Vila Velha, Oscarina cresceu cercada de cuidados. Ainda jovem, no entanto, passou a apresentar tosses persistentes. À época, os médicos diziam se tratar apenas de problemas de garganta. Em 1908, chegou a morar com a avó em Niterói, mas retornou a Vitória devido à saúde frágil.

Foi aos 18 anos que teve um encontro inesperado: uma pequena cadela de rua que rondava sua casa. Ao adotá-la, deu-lhe o nome de Vitória — homenagem à sua cidade natal. Desde então, as duas se tornaram inseparáveis.

Com o passar do tempo, o quadro de saúde da jovem se agravou. Magreza extrema, suor noturno, cansaço e a tosse constante levaram a um diagnóstico: tuberculose em estágio avançado. “Naquela época, a tuberculose era mais que uma doença, era uma condenação de morte”, disse o biógrafo Estêvão Zizzi.

Antenor não mediu esforços. Levou a filha a consultas em diferentes estados, buscou remédios, fórmulas importadas e tratamentos em regiões de clima montanhoso. Em todas essas jornadas, fosse em viagens de navio ou nas longas noites de espera, Oscarina tinha a seu lado a cadela Vitória, que passava os dias junto à cama ou deitada aos pés da cadeira da dona.

A última tentativa de cura levou a família a São José dos Campos, cidade então conhecida pelos sanatórios destinados a pacientes de tuberculose. Mas, em 13 de agosto de 1915, menos de um mês após chegar, Oscarina morreu. Foi sepultada no antigo Cemitério Municipal, hoje Padre Rodolfo Komorek.

Segundo Estêvão Zizzi, o que comoveu a todos naquele dia foi o gesto de Vitória. Durante o sepultamento, a cadelinha deitou-se junto à cova e dali não quis sair. Sob sol ou chuva, permaneceu fiel ao lado de Oscarina. Funcionários do cemitério tentaram levá-la embora e ofereceram comida, mas ela sempre voltava para o túmulo. Meses depois, acabou morrendo no mesmo lugar.

Anos mais tarde, ao receber a notícia, Antenor decidiu eternizar aquela prova de amor. Mandou esculpir uma estátua de Vitória, colocada exatamente sobre o jazigo da filha, onde a cadela costumava repousar.

Túmulo de Oscarina com estátua de Vitória
Túmulo de Oscarina com estátua de Vitória. Crédito: Divulgação | Prefeitura de São José dos Campos (SP)

“Quando a Oscarina veio falecer, ela (cachorrinha ) não saía do lado do túmulo. E, na época, até o seu Antenor veio para Vitória e a cachorrinha ficou lá. Ele recebia informações do pessoal de São José dos Campos que a cachorrinha estava emagrecendo, mas ele não queria tirar ela de lá, porque ela gostava. É aquela afinidade do animal com o ser humano”, disse o biógrafo.

Para Estêvão Zizzi, recontar essa história foi um desafio de três anos de pesquisas, leituras de arquivos em bibliotecas, diários e entrevistas com parentes da família. 

O biógrafo lembra que a história de Oscarina e Vitória se assemelha com o caso do cachorro Hachiko, o cão que ficou esperando pelo dono em uma estação de trem no Japão após a morte dele. A relação de companheiro ficou famosa após virar filme estrelado pelo ator Richard Gere em 2009 — um sucesso de bilheteria.

"É uma história bonita. É triste e feliz ao mesmo tempo. Apesar da doença, ela teve ali uma companheira. Teve também o pai que tentou de tudo por ela", relatou Estêvão Zizzi. 

Triste coincidência

Túmulo de Oscarina em São José dos Camps (SP)
Túmulo de Oscarina em São José dos Camps (SP). Crédito: Divulgação | Prefeitura de São José dos Campos (SP)

O nome escolhido para a primogênita também carregava um peso de memória e dor. Oscarina recebeu esse nome em homenagem à tia paterna, irmã de Antenor, que havia morrido precocemente, vítima da mesma doença que, anos depois, ceifaria a vida da jovem: a tuberculose.

Antenor faleceu em 16 de fevereiro de 1932, em Vitória, após 17 anos da partida de sua filha.

Voluntária cuidou de jazigo

O túmulo foi “adotado” pela Dona Dulce, moradora da cidade de São José dos Campos
O túmulo foi “adotado” pela Dona Dulce, moradora da cidade de São José dos Campos. Crédito: Divulgação | Prefeitura de São José dos Campos

Até pelo menos 2015, a prefeitura de São José dos Campos tinha a informação que o túmulo de Oscarina era cuidado por Dulce Carmem da Silva, moradora do município. Dulce cuidava do local desde a década de 80 e ficou sabendo da história da moça por meio de famílias tradicionais da cidade.

A mulher disse que começou a cuidar do túmulo devido a uma história pessoal. “Meu cachorro tinha sido envenenado e eu fiquei chateada e entrei no cemitério. Quando vi o túmulo com a estátua do cachorro, que estava feio e sujo, resolvi cuidar do local. Isso foi na década de 80.”

Atualmente, segundo a prefeitura, a mulher não vai mais o local. O jazigo, no entanto, intriga os funcionários e também os visitantes.

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