Jornalistas da Rede Gazeta foram assustadoramente obrigados a inverter os papéis e viraram notícia em 8 de fevereiro de 1990. Enquanto faziam a cobertura de uma rebelião na Casa de Detenção de Vila Velha, no Espírito Santo, repórteres e cinegrafistas foram feitos reféns por internos e ficaram horas sob ameaças.
O tumulto começou quando a equipe de segurança do presídio frustrou os planos de fuga dos presos na noite anterior. Na volta às celas, eles começaram o motim. Para cobrir a situação, equipes da TVs Gazeta, Tribuna, Capixaba, Vitória e Educativa foram enviadas à unidade. Veja vídeo:
Um dos que viveram momentos de horror foi o jornalista Thelmo Scarpine, que na época era repórter do telejornal Bom dia ES, da TV Gazeta. Ele chegou a fazer registros dentro da Casa de Detenção de Vila Velha antes de virar refém. “Eu tinha acabado de chegar da pauta do Bom Dia quando o chefe da redação na época falou: 'Olha, está tendo uma rebelião na casa de detenção, você vai pra lá'. Como era o único repórter naquele momento, fui”, contou.
O clima na unidade prisional era de muita tensão, com presos fazendo reivindicações alegando condições insalubres. Foi quando chegou o secretário de Estado da Justiça da época, Sandro Chamon do Carmo, acompanhado da então coordenadora de Serviços Penitenciários, Terezinha Barboza Fernandez. Os detentos passaram a conversar com o secretário e um deles sugeriu que a autoridade, juntamente dos jornalistas, entrassem no presídio para comprovarem as condições denunciadas pelo grupo.
Thelmo Scarpine
Jornalista
Foi a grande ingenuidade, tanto do secretário quanto dos profissionais da imprensa. No afã de querer levar a informação, entramos

O INÍCIO DO TERROR
Os profissionais da imprensa, acompanhados do secretário e da coordenadora, seguiram para onde estavam os presos. Não havia policiais dentro da unidade. Os jornalistas, em um primeiro momento, fizeram registros das situações apontadas pelos detentos. No entanto, assim que acabaram e se preparavam para sair, foram informados que a partir daquele momento seriam reféns e somente seriam liberados quando o Governo do Espírito Santo, na época comandado por Max Mauro, atendesse às exigências.
Entre os pedidos havia armas e até um helicóptero. Os presos queriam fugir e exigiram que o governo providenciasse um carro-forte e uma aeronave para que pelo menos os líderes da rebelião pudessem sair da unidade. O bilhete escrito pelos presidiários com todas as exigências foi entregue ao diretor do presídio da época, Ary Roosevelt — que chegou a entrar em contato com superiores solicitando orientações para medidas a serem adotadas. Naquele momento, o presídio já estava cercado por centenas de policiais militares e civis fortemente armados.

“Foram momentos muito tensos, como se meus colegas de outras emissoras e eu pudéssemos ser mortos ali a qualquer momento”, relembrou Thelmo Scarpine. Uma jornalista, que estava em período de amamentação do filho pequeno, chegou a ser liberada pelos presos após os colegas pedirem. Os demais profissionais que ficaram eram ameaçados constantemente com facas e outros objetos. No vídeo que compõe esta reportagem é possível assistir ao momento em que detentos aparecem dizendo que "matariam os reféns caso as exigências não fossem cumpridas".
Edgar Ferreira era assistente de cinegrafista da TV Gazeta. A função dele era interna no telejornal Bom Dia ES, mas naquele dia precisou substituir um colega e cobrir a rebelião. "Eu me lembro muito bem que um capitão da Polícia Militar falou para todo mundo: 'Não entre, não entre'. Ninguém sabia naquele momento que alguém iria virar refém na detenção. O que a gente ia fazer? O serviço da gente era documentar o que estava acontecendo lá e mostrar para sociedade. Era o nosso trabalho", relembrou.
Edgar Ferreira
Jornalista
Eles queriam armas e carro para fugir. Não teriam nunca. Aí disseram: 'Vamos fazer um sorteio e matar alguém para mostrarmos que não estamos de brincadeira
Antônio Moreira, cinegrafista da TV Gazeta na época, relembra que foi contra a ideia de entrar no presídio naquele dia. Ele conta que, em meio à tensão, os próprios detentos realizaram o sorteio para decidir quem seria morto — e ele, junto ao repórter Thelmo Scarpine, acabou sendo um dos escolhidos.
"Foram 12 horas de sufoco, de um inferno na vida. Você não tinha esperança. Eu tentava conversar com todos os presos para tentar amenizar a tensão. Eu tinha essa fé que ninguém ia morrer", disse Moreira.
Os presos então separaram os reféns em duplas e em celas separadas. Em determinado momento uma confusão começou: alguns detentos saíram das galerias e invadiram a dos amotinados e os reféns aproveitaram o tumulto para fugir pulando do segundo andar do presídio — de aproximadamente oito metros de altura — enquanto outros escaparam pelas galerias.

Thelmo Scarpine conta que, momentos antes da confusão, a Polícia Militar começou a negociar com outra facção que estava no presídio e falar que ou acabavam com a rebelião ou os militares entrariam. "Aí salve-se quem puder. Alguns presos acabaram se rebelando contra aqueles líderes da rebelião e começaram a briga entre eles. Ali se instaurou um caos, a gente não sabia quem era inimigo, quem era amigo", lembrou.
Moreira finalizou contando que mesmo após todo o filme de terror, alguns jornalistas voltaram à Casa de Detenção de Vila Velha e agradeceram aos presos que os ajudaram a escapar.
Durante a confusão, dois líderes da rebelião, identificados como Volvenax Correia Joaquim, o Tomatinho, e Fernando César Costa, o Fernandinho, foram mortos por detentos que não participavam do motim. Eles estavam presos por crimes como assaltos e assassinatos.
MAIS FOTOS DA REBELIÃO
Jornalistas foram feitos reféns por detentos em 1990
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