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Jovem capixaba, Brilhantina fez história na Guerra do Paraguai

Jovem capixaba, Brilhantina fez história na Guerra do Paraguai

Historiador conta a trajetória de uma personagem de Vila Velha que participou de forma pouco convencional do evento

Publicado em 19 de agosto de 2016 às 14:42

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Artigo publicado no caderno Pensar de 20 de agosto  

Dois anos antes do início da Guerra do Paraguai, um caixeiro-viajante seduziu uma mocinha de Vila Velha e sumiu no mundo. Até aí, nenhum motivo para o caso entrar para a História do Brasil, ainda que pela porta dos fundos. Dramas semelhantes sempre ocorreram e continuam ocorrendo. Acontece que o pai ficou furioso e expulsou a filha de casa, o que, por si, também não constitui nenhum fato excepcional.

A reação de Baltazar Papamel foi a mesma de todo pai intolerante, os de ontem e os de hoje. Humilde criador de abelhas e filhos (consta ter tido mais de quinze, cada qual batizado com o nome de uma pedra preciosa: Esmeraldino, Opalino, Rubino, Diamantina, Turmalina etc.), Baltazar não admitia manter no convívio familiar uma ovelha desgarrada. À Brilhantina, esse o nome da seduzida, os costumes da época reservavam apenas dois caminhos, virar freira ou prostituta. Ela optou pela prostituição, alistando-se em um bordel de Vitória. Graças a sua beleza invulgar e a outros talentos menos visíveis, acabou chamando a atenção do comandante de um navio inglês. Encantado, o homem a levou para o Rio de Janeiro, onde cometeu a besteira de apresentá-la ao vice-cônsul de seu país, que ficou mais encantado ainda e a tomou como amásia. Não por muito tempo. Em 1865, quando os paraguaios invadiram o Brasil, ela já tinha outro amante, o jovem tenente Andrade Neves, filho do famoso general José Joaquim de Andrade Neves, o Barão do Triunfo. Convocado para defender a pátria, o rapaz foi para a guerra levando Brilhantina junto.

No imenso acampamento militar de Tuiutí, verdadeira cidade sobre tendas, aonde chegaram a se espremer cinquenta mil soldados, comerciantes e rameiras, a bela capixaba passou a reinar como uma princesa, ainda mais depois que se aproximou do general Manuel Luís Osório, braço direito do Duque de Caxias e um dos heróis do exército brasileiro, patrono da cavalaria verde-oliva. Mulherengo incorrigível, o velho general roubou a amante de Andrade Neves, cobrindo-a de tantos mimos e favores que um cronista da guerra assim descreveu o diálogo travado entre Osório e Brilhantina quando ela viu na tenda do general uma arca cheia de dinheiro:

– Quanto ouro, quanta libra bonita!

– Gostou minha filha? Leva tudo, se quiser.

– Oh, não senhor, levarei só um punhadinho, o que couber na minha mão direita!

– A esquerda ficará com inveja da direita. Enche logo as duas mãos.

Brilhantina obedeceu sem hesitação, ao que Osório teria comentado:

– Diabo do ouro! É o visgo desses pobres e estonteados passarinhos!

Mas o melhor do caso vem agora. Padecendo de “dormência formigante” numa perna ferida em combate, Osório não montava mais a cavalo, locomovendo-se em uma pequena carruagem, inclusive durante as cerimônias militares, quando passava as tropas em revista. Muito bem. Na manhã do dia de seu aniversário, sem saber que o exército inteiro formaria para prestar-lhe homenagens, ele emprestou a tal carruagem para Brilhantina passear e a surpresa terminou sendo dos que pretendiam surpreendê-lo.

Quando a carruagem surgiu no início do campo de manobras, uma sequência nervosa de toques de corneta provocou uma correria geral da soldadesca aos seus postos. Rapidamente, vinte batalhões se perfilaram, as bandas de música começaram a tocar, os oficiais desembainharam as espadas. A carruagem foi chegando, chegando... chegou. Aí, pela primeira e única vez na história, uma dama da vida passou o glorioso exército nacional em revista, respondendo às aturdidas continências com sorrisos, beijinhos e acenos coquetes!

Quem não gostou nada foi Caxias, que proibiu homenagens a qualquer pessoa, a não ser o comandante-em-chefe, ele próprio. De Brilhantina Papamel sabe-se que voltou para o Rio de Janeiro. E muito mais tarde, já idosa, para Vila Velha, onde findou em paz seus dias numa casinha na encosta do Morro do Jaburuna.

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O autor é escritor, historiador e roteirista de cinema e televisão

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