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Imburana: uma comunidade dividida pela fé após a morte no ES

Imburana: uma comunidade dividida pela fé após a morte no ES

O distrito de Ecoporanga esconde histórias curiosas e até mesmo de cônjuges que desejam ser sepultados em locais diferentes, mas de acordo com a própria fé

Publicado em 19 de novembro de 2018 às 20:29

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Com pouco mais de mil habitantes, há décadas a localidade de Imburana, distrito de Ecoporanga, convive com uma curiosa peculiaridade: corpos de moradores católicos e evangélicos são sepultados em cemitérios diferentes. Em 2008, a jornalista Vilmara Fernandes foi ao vilarejo para entender o porquê dessa condição e trazer os relatos de quem mora na localidade. Dez anos se passaram, e a situação permanece por lá, segundo os próprios moradores.

Imburana: uma comunidade dividida pela fé após a morte

Por Vilmara Fernandes | 2008

Cemitério de católicos em Imburana, distrito de Ecoporanga. ( Carlos Alberto Silva | GZ | Arquivo)

No Noroeste do Espírito Santo há uma comunidade dividida pela fé após a morte. Na pequena Imburana — distrito localizado a 21 quilômetros da sede de Ecoporanga — católicos e evangélicos são enterrados em cemitérios diferentes, localizados nos extremos do vilarejo.

A comunidade conta com sete denominações religiosas. Por lá há presbiterianos, batistas, adventistas, membros da Assembleia de Deus, da Igreja Cristã, da Maranata e da Igreja Católica. Todas as igrejas são localizadas no município que, em 2007, abrigou o Tabernáculo Vitória. Em algumas delas, o número de fiéis pode ser contado nos dedos de uma só mão. Nada a se estranhar numa região que não chega a ter 1,4 mil moradores, menos de 1% da população municipal.

SEM RIXAS

Mas engana-se quem pensa que seus habitantes vivem em meio a rixas religiosas. Pelo contrário. Os depoimentos mostram que todos comungam da tranquilidade típica das cidades do interior. Em vida, participam de festas de aniversário, das formaturas, casamentos, assim como dos momentos de dor. Independentemente da fé, todos estão presentes nas últimas despedidas aos vizinhos, a quem levam até o túmulo. "Somos amigos em vida, mas na morte...", ressalta Orlando Brito, 40, cabeleireiro.

Ele refere-se às diferenças que existem em relação ao espaço destinado aos mortos. Aí, falam mais alto as crenças. Católicos fazem questão do seu espaço, onde podem afixar o símbolo máximo do cristianismo: a cruz. Ao contrário dos evangélicos, que preferem um túmulo sem adornos.

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comunidade vive em harmonia. Há solidariedade até nos velórios. Mas, em vida, cada um escolhe onde será enterrad

Clero Ferreira de Freitas, vereador
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E é exatamente o símbolo cristão que deu origem à separação. Os motivos já se perderam na memória de seus moradores. Há mais de 70 anos todos eram enterrados em um único cemitério, localizado atrás da Igreja Presbiteriana, a primeira congregação a se instalar na região.

Um dia, uma criança católica estava para ser enterrada quando o pastor recusou o pedido para que fosse colocada uma cruz sobre o túmulo. Revoltados, os pais criaram outro cemitério na cidade. Mas há quem garanta que a divisão começou após a instalação de um cruzeiro, presente dos últimos missionários católicos que visitaram a região. A partir daí, o primeiro fiel que morreu preferiu ser enterrado no local, dando origem ao segundo cemitério.

NO ALTO DOS MORROS

Numa cidade com apenas nove ruas, os cemitérios destacam-se no alto dos morros. Um de frente para o outro, a menos de 500 metros de distância. Para os moradores da cidade, esse "enfrentamento" não passa de mais uma das muitas curiosidades que envolvem a comunidade. Mas, por segurança, fazem questão de deixar claro qual a sua escolha para a última moradia.

Algumas decisões acabam sendo marcadas pelo bom humor. É o caso da família de Laurita Maria Ferreira Teodoro, 66, e de Antônio Sérgio Teodoro, 64. Casados há 31 anos, ela é batista; ele é católico. "Aqui já decidimos: quem for por último, acompanha o primeiro".

No placar da fé, Antonio já saiu perdendo: dois de seus três filhos são evangélicos. O problema é saber onde vai ser enterrado o terceiro, que, por enquanto, não segue nenhuma denominação. Para essa pergunta, ninguém no vilarejo tem resposta. Na pequena Imburana, a única certeza é de que a morte não iguala.

Maria Rosa de Jesus, 78 anos, é uma das moradoras mais antigas de Imburana. Quando ela por lá chegou, a localidade era chamada de Broa Queimada. Até que seus moradores resolveram dar ao lugar o nome de uma árvore. "Aqui só tinha mato e cobra", conta. Foi lá que criou seus dez filhos, muitos deles espalhados pelo país. "Nem sei por onde andam".

Maria Rosa de Jesus, 78 anos, aposentada, uma das moradoras mais antigas de Imburana, distrito de Ecoporanga. A aposentada foi entrevistada sobre o fato da localidade possuir um cemitério para católicos e outro para evangélicos. ( Carlos Alberto Silva | GZ | Arquivo)

Quando o assunto são os cemitérios da cidade, ela não mede palavras: sai disparando que tudo não passa de "uma besteira" dos moradores. "Terra de cemitério é tudo igual. Que diferença faz?". Mas, na hora de escolher, suas crenças falam mais alto. E ela é taxativa: quer ser enterrada na morada final dos católicos, embaixo do cruzeiro, onde estão membros de sua família. "E quero uma vela cruz, na mesma terra em que fui batizada", faz questão de dizer.

Na casa de Laurita Maria Ferreira Teodoro, 66, e de Antônio Sérgio Teodoro, 64, só o bom humor para evitar os conflitos religiosos. Às vezes, nem ele dá conta. "De vez em quando surgem umas pequenas rugas", conta o marido, em meio a risos. Antônio, como todo católico, quer levar para o túmulo a sua cruz. "Carreguei a vida inteira, como vou deixar minha cruz para o outro?". Mas para sua esposa, que é batista, a cruz tem outro significado. "É a vida que levamos e o que fazemos. Não precisamos dela no túmulo", pondera.

Laurita Maria Ferreira Teodoro, 66 anos, e Antonio Souza Teodoro, são casados e agricultores em Imburana, distrito de Ecoporanga. Laurita é evangélica. Já o marido, católico. ( Carlos Alberto Silva | GZ | Arquivo)

O dilema do casal está longe de ser resolvido. A única certeza, por enquanto, é que quem ser enterrados juntos. Mas já sabem que não vão poder aplicar a mesma solução adotada no casamento. Há 31 anos, eles participaram de três cerimônias: uma civil, uma batista e uma católica, o que não vai ser possível após a morte.

AS GUARDIÃS DA PRIMEIRA IGREJA DA COMUNIDADE

Contam os mais antigos que moradores de Imburana que, há mais de 60 anos, os cultos presbiterianos pareciam dias de festa no vilarejo. Só a congregação tinha mais de 400 fiéis. Hoje são apenas dez, entre os quais as amigas Ednalva Gonçalves dos Santos, 50, e Luciléia Oliveira Machado, 45. "A maioria foi embora para Rondônia", conta a mais velha delas.

Edinalva Gonçalves dos Santos, 50 anos, assistente administrativa, e a amiga, Luciléia Oliveira Machado, 45 anos, auxiliar de enfermagem, fazem parte da Igreja Prebisteriana de Imburana. ( Carlos Alberto Silva | GZ | Arquivo)

Hoje para os cultos semanais, a igreja precisa de colaboração de um pastor que vem da sede do município. Como evangélicas, as amigas não se preocupam com o que vai acontecer com elas após a morte. "A escolha não é nossa", pondera Nalva. Luciléia garante que sua igreja é uma das mais procuradas pela comunidade. "Até as formaturas de católicos acontecem aqui", destaca. O Cemitério Evangélico João Calvino - acrescenta Luciléia - também está aberto a todas as denominações.

ELE ENTERRA OS CATÓLICOS, MAS É EVANGÉLICO

Edson Gonçalves da Rocha, 31 anos, é coveiro e administrador dos cemitérios em Imburana, distrito de Ecoporanga. ( Carlos Alberto Silva | GZ)

Edson Gonçalves da Rocha, 31, é o único coveiro de Imburana. É ele quem dá o último adeus a católicos e evangélicos na comunidade. E garante: não faz distinção. Seu lamento é ter que enterrar os que conhece. "Não tem jeito. Sou amigo de todos na região", pondera. Edinho, como é mais conhecido, há cinco anos tornou-se presbiteriano. Revela que, antes, "não acreditava em nada". Oriundo de uma família de coveiros - o último deles, seu tio, deixou o cargo que hoje ele ocupa -, nada teme.

"Assim como meu tio, já abri covas até de noite." E muitas vezes fez isso sozinho, já que nem sempre consegue ajuda para um trabalho pesado que dura quase três horas. "Fantasma é só ilusão", garante. Após a morte, quer se enterrado no cemitério evangélico, ao lado da casa onde reside com mulher e filho.

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