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Xingado por citar Marielle, padre pede que diálogo seja restabelecido

Xingado por citar Marielle, padre pede que diálogo seja restabelecido

Para Mario de França Miranda, momento de polarização favorece surgimento de ditaduras

Publicado em 19 de março de 2018 às 21:46

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Marielle Franco, vereadora assassinada na última quarta-feira (14) no Rio de Janeiro. (Reprodução/Instagram)

Xingado por dois homens após citar a vereadora executada Marielle Franco (PSOL) durante a missa de domingo na Paróquia da Ressurreição, em Ipanema, na Zona Sul do Rio, o padre Mario de França Miranda, de 81 anos, atribuiu nesta segunda-feira (19) a reação à radicalização da sociedade. E disse acreditar que a solução está no restabelecimento do diálogo. O caso foi revelado pelo colunista do GLOBO Ancelmo Gois.

"O problema é muito complexo. É muito difícil, hoje, emitir uma opinião clara e transparente. O problema é (a falta de) diálogo; a sociedade (precisa) esquecer seus partidos (e dialogar). Não é fácil, porque significa ceder um pouco, escutar o outro", afirmou ele, que é professor emérito de Teologia da PUC-Rio.

De acordo com o padre, a polarização ameaça a democracia. A partir dos extremos, podem surgir regimes totalitários de diferentes correntes ideológicas:

"Esse episódio mostra um pouco a situação que estamos vivendo. As posições estão muito radicalizadas, tanto de um lado quanto de outro. O pessoal não ouve outra opinião. Isso é um perigo para a democracia, porque permite que venha uma ditadura de direita ou de esquerda", disse o Padre.

O pároco explicou ao GLOBO que terminava a homilia no último domingo quando citou a vereadora, entre outras personalidades, como dom Oscar Romero e Martin Luther King. Ao citar a parlamentar, foi hostilizado por dois homens, num público de, aproximadamente, 500 pessoas.

O padre Mario de França minimizou o incidente. Disse que foi algo "muito pequeno" para o universo total de presentes no local. E acrescentou que não seria justo prejudicar a todos por causa de apenas duas pessoas. Por isso, disse, "tocou a missa" em frente.

Ainda de acordo com o religioso, a citação à vereadora Marielle Franco na Paróquia da Ressurreição não teve conotação política. Isso porque a luta por uma sociedade mais justa deve ser um ideal cristão, e não uma missão partidária.

"O que Cristo fez foi lutar por uma sociedade mais justa. Quando temos exemplos de pessoas que lutam por aí, elas estão fazendo o que Deus faria também: lutar por uma sociedade mais humana, com menos desigualdade", declarou ele, que ainda acrescentou: "O que falei estava dentro do Evangelho. Estava falando de alguém que era preocupada com negros, pobres... Se isso não é Evangelho, não sei o que pode ser", concluiu.

Para o padre, a morte não significa necessariamente um "fim", porque pode ser "extremamente fecunda". Ele argumenta que foi isso que aconteceu com Jesus. Na avaliação do religioso, algumas mortes podem impulsionar lutas e ideais.

"Mataram Jesus Cristo precocemente, mas mudou a história da sociedade. Deu frutos enormes".

Mario de França também criticou o crescimento das desigualdades sociais. Na visão dele, é dever cristão buscar um mundo mais igualitário. E isso deve ser buscado globalmente, já que o problema afeta o mundo todo.

"Está no trabalho de Jesus ensinar o perdão, transformando a convivência humana numa convivência fraterna. Como ser feliz se as pessoas passam fome e matam imigrantes para fabricar mais armas? O problema hoje é planetário e todos devem cooperar. Apesar de todas as conquistas da razão e da tecnologia, a desigualdade aumenta", afirmou.

O padre também comenta que o pano de fundo para o aumento da desigualdade está no crescimento econômico a qualquer custo. Ele argumenta que o investimento financeiro em locais menos favorecidos pode ajudar a impulsionar a economia local, gerar renda, empregos e reparar injustiças sociais.

"Se jogar dinheiro em países mais pobres, a economia gira. Quando o governo (brasileiro) fez isso, o país cresceu", disse ele, que lamentou o momento de violência e penúria financeira pelo qual o Rio passa:

"Sou carioca, estou com quase 82 anos e nunca viu uma situação como essa. Estão todos com medo. Limparam o estado. A gente se acostumou a ouvir barulhos de tiros. Há roubos de cargas. E as firmas estão indo embora, o que vai empobrecendo o Rio e diminuindo os empregos", desabafou Mário.

PERGUNTAS E RESPOSTAS

A quem caberia o restabelecimento da capacidade de dialogar?

Seria papel dos políticos, mas a classe está muito desacreditada. Os caciques, me parece, também não querem ceder. É muito complexo.

Então, o que fazer para voltar a dialogar?

Primeiro a gente tem que tomar consciência de que a situação é grave. É o futuro do planeta que está em jogo. Os mais lúcidos estão percebendo isso. Todo mundo quer produzir o máximo, mercado está dando as regras do jogo. Mas não vemos nenhuma instância que possa resolver o problema.

As instâncias às quais o senhor se refere são Legislativo, Executivo e Judiciário?

A ONU (Organização das Nações Unidas) tem autoridade moral, mas ao mesmo tempo não tem autoridade. Depende dos países que estão nela. Não temos, hoje, uma entidade que pense no planeta e tenha autonomia para pensar no planeta. E é necessário. Criou-se a ONU para que houvesse o diálogo, mas quem dita o diálogo são os países com mais dinheiro.

Assim como cresce a radicalização, também aumentam as "fake news". No caso da Marielle não foi diferente. Qual o perigo desse crescimento?

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O pessoal fala sem ter dados. É de uma irresponsabilidade tremenda. (No caso da Marielle) ainda é uma pessoa que morreu; que não pode nem se defender. Não sei se já passamos por um momento assim (tão conturbado). Pode ser que a gente, chegando lá no fundo do poço, reaja. O próximo passo é não poder sair de casa.

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