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'Uso eleitoral do WhatsApp nesta campanha no Brasil virou case mundial'

"Uso eleitoral do WhatsApp nesta campanha no Brasil virou case mundial"

Jornalista e escritor avalia influência do uso do aplicativo de troca de mensagens para espalhar desinformação durante a corrida presidencial e ressalta que internet ganhou relevância que antes era da televisão

Publicado em 21 de outubro de 2018 às 02:19

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Pedro Dória, jornalista, escritor e especialista. (Fábio Mota | Estadão)

A campanha eleitoral, sobretudo para a Presidência da República, tem sido marcada pela difusão de diversas informações falsas que circulam abertamente nas redes sociais e principalmente no WhatsApp, aplicativo de troca de mensagens instantâneas.

Na semana passada, denúncia publicada pelo jornal “Folha de S.Paulo” de que empresários apoiadores do candidato à Presidência pelo PSL, Jair Bolsonaro (PSL), pagaram empresas especializadas em serviços de disparos em massa de mensagens no WhatsApp para disseminar fake news (notícias falsas) contra o PT levantou a discussão no país.

Esse cenário coloca o Brasil como um case mundial sobre o uso eleitoral do WhastApp. É o que afirma o jornalista, escritor e especialista em meios digitais, Pedro Doria.

“A televisão não fez nenhuma diferença na eleição de 2018. Não é só a primeira eleição da internet no Brasil, como é a primeira eleição do WhatsApp. Porque o que realmente fez diferença foi o WhatsApp”, afirma, em entrevista para A GAZETA. “O uso eleitoral do WhatsApp como aconteceu nesta campanha no Brasil virou case mundial”, destaca.

Um outro ponto levantado por Doria sobre o contexto do segundo turno das eleições presidenciais de 2018, é que os dois candidatos, em alguma medida, usaram a desinformação para se comunicar com os eleitores.

“Isso agora está sendo exacerbado na campanha do Bolsonaro. Eu só não quero fazer parecer que Bolsonaro é pai de todos os males, sem reconhecer que existe uma hipocrisia imensa vinda do PT quando ele faz esse tipo de acusação, porque ele também promoveu campanhas de desinformação”, pontua Doria.

Como avalia a influência do WhatsApp nas eleições brasileiras?

Existe documentado por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e por vários outros, uma onda de fake news gigantesca, que vai para todo lado, mas que é, principalmente neste segundo turno, contra a candidatura do PT. Isso existe, a questão é que a gente não tem como afirmar que isso é decisivo para a eleição. Umas das inferências que a gente pode fazer, de 1989 para cá, é de que os candidatos que chegavam ao segundo turno tendiam a ser os que tinham grande exposição na televisão. Nesta eleição, o Alckmin foi um fiasco e ele tinha 45% do tempo de televisão. O Bolsonaro não tinha quase nenhum tempo na televisão, aliás, ele, por pelo menos metade da campanha, ficou em um leito de hospital e, no entanto, chegou ao segundo turno com uma imensa vantagem sobre o Haddad. O que justifica isso? Só pode ser o WhatsApp. Mas eu não tenho dados, ninguém tem dados que possa usar para sustentar essa afirmação. É uma teoria que pesquisadores vão ter que comprovar, mas leva tempo. Aparentemente, a influência eleitoral desta campanha via WhatsApp, que envolve principalmente fake news, é muito grande.

Foi a primeira vez que a internet interferiu de fato no processo eleitoral?

A televisão não fez nenhuma diferença na eleição de 2018. Eu vou além. Não é só a primeira eleição da internet, como é a primeira eleição do WhatsApp. Porque o que realmente fez diferença foi o WhatsApp. Porque se é uma campanha feita essencialmente por meios obscuros, espalhando boatos, fazendo jogo de desinformação, a única plataforma que é extremamente popular e que não pode ser vigiada é o WhatsApp. Todas as conversas são privadas. Outras redes importantes podem ser acompanhadas por pesquisadores, que têm uma noção de temas discutidos, que têm formas de mensurar.

E as outras redes sociais, como Facebook e Twitter, também exerceram influência ou foram colocadas em segundo plano nesse cenário?

A impressão que eu tenho, tanto do Facebook quanto do Twitter, que são mais relevantes em informação, é que entraram na eleição de 2018 extremamente atentos e com foco muito concentrado. O Vale do Silício colocou gente de primeiríssima qualidade para acompanhar a eleição brasileira. Existe uma atuação real e objetiva para impedir que as coisas que aconteceram nos EUA se repetissem aqui. A impressão que eu tenho é que o tipo de política que implementaram ajudou a mitigar o problema da desinformação eleitoral nessas redes. No WhatsApp isso não houve. O uso eleitoral do WhatsApp como aconteceu nesta campanha no Brasil virou case mundial.

Acredita que o uso sistemático do WhastApp na campanha de Jair Bolsonaro foi planejado?

Essa é uma resposta que é difícil de dar, porque é sim e não. E não dá para fazer qualquer afirmação de que a campanha de Bolsonaro tinha uma relação com a propagação de notícias falsas e a profissionalização do que é propagado nos grupos de WhastApp. Agora, ele se beneficiou certamente. É essa estrutura que vai promover o tipo de campanha baseada em desinformação. Não dá para afirmar que o Bolsonaro ativamente promoveu isso, mas pela quantidade de material dá para suspeitar com uma boa dose de certeza que o processo é profissional, que a desinformação é profissional, que existe gente alimentando essa máquina.

Tem gente sendo contratada para produzir aquilo. São áudios, memes, vídeos, links para matérias que parecem reportagens, mas não são. Essa produção existe e neste período as pessoas estão aflitas, perderam o hábito de ler jornais, vão para o WhatsApp para se informar e o que descobrem lá é essa onda imensa de boatos que se amplia.

As instituições estavam preparadas para lidar com essa enxurrada de informações falsas nas redes sociais?

Ninguém está preparado. E não é culpa do TSE, não é culpa da imprensa. Aliás, isso é novo, as coisas estão acontecendo, a gente estava discutindo que a maior parte dos analistas políticos em agosto previam um segundo turno entre Alckmin e Haddad, porque a lógica de todas as eleições brasileiras até aqui era uma lógica diretamente ligada à televisão. Todo mundo foi pego de surpresa. A gente não tem como ter uma noção exata ainda da dimensão que isso tomou.

Qual o papel dos voluntários em uma campanha de interação, feita nas redes sociais?

Os voluntários são importantes. Ambos, Haddad e Bolsonaro, têm um grande grupo de voluntários. O voluntário, no fim das contas, é toda pessoa que faz grupo de WhatsApp e que propaga (informações do candidato). Existe uma diferença fundamental na rede de WhatsApp de um e de outro candidato. A rede de Bolsonaro, que nasce espontaneamente da sociedade, depois é alimentada profissionalmente. É uma conversa que nasce espontaneamente de querer os militares de volta, por exemplo. Desse surgimento espontâneo, se localiza um anseio social e se faz com que esse anseio se amplie através de técnicas de marketing que se está testando ali pela primeira vez, desenvolvendo uma tecnologia. Tem uma boa dose de inovação, mas nasce espontaneamente. A rede do Haddad, do PT, é diferente. É uma rede extremamente sólida e muito antiga. O PT é um partido que tem presença em praticamente todos os municípios relevantes do Brasil, tem uma rede de militância filiada e de gente simpática à causa imensa e extremamente mapeada. O PT, então, que já tinha há décadas uma rede, traz ela para dentro do WhatsApp e a usa para fazer difusão de material de campanha. Enquanto a campanha do Bolsonaro pega uma coisa que surge espontaneamente e usa técnicas para ampliar aquilo.

Acredita que foi e está sendo uma eleição em que os candidatos que foram para o segundo turno estavam e estão mais voltados para os seus eixos?

Eu acho que você pode fazer essa afirmação com certeza para o Haddad. O Haddad jamais conseguiu deixar a base do PT, provavelmente mais por culpa do PT, não por culpa dele. Ele tinha que fazer uma guinada forte ao centro e ele tinha que propor um governo que não seria um governo petista, que nomeasse ministros que viessem de todas as forças da sociedade. Mas o PT se trancou dentro do PT. O Bolsonaro se abriu, fez alguns acenos para gays. Bolsonaro faz acenos para o Nordeste. Nitidamente está tentando. Ele não precisa ganhar votos, só conter a rejeição.

É possível medir a influência das notícias falsas no voto? De que maneira?

Eu acho muito difícil. Eu sei que muitos pesquisadores estão coletando muito dado. Vai ser preciso criar uma metodologia de pesquisa para conseguir medir isso, porque não está claro como fazer essa mensuração.

Como enxerga o papel da tecnologia pós-eleição? Acredita que essa onda de notícias falsas tende a continuar e possa influenciar os rumos do país?

Eu acho que isso tem a ver com tecnologia, mas não é só uma questão de tecnologia. Esses fenômenos políticos costumam ter duas vertentes, uma vertente é a história local. A eleição que a gente está vivendo no Brasil tem muito a ver com como as eleições no Brasil são. Existe um componente também que é um componente internacional. Existe uma imensa onda de uma direita mais dura chegando. É uma direita populista, que fala com massas, não é uma direita que fala com empresários em gabinetes. É autoritária, tem líderes que se impõem por uma autoridade, são centralizadores. Tem uma onda dessa direita chegando em vários locais do mundo. Quando se observa a presença desse momento com essas características, a gente tem que observar que essa turma tem uma outra prática que os une: eles mentem. Trabalhar com desinformação, criar uma realidade paralela, é uma prática comum a eles. E se você olha para a campanha a favor do Bolsonaro, talvez você não possa falar que foi encomendada por ele, mas é a favor dele, é uma campanha baseada em desinformação. Não há nenhum indício de que vai mudar. Mas é preciso fazer uma observação importante. É de direita, cria uma realidade paralela, é autoritária, mas não quer dizer que isso, de outra forma, não estivesse presente na política brasileira. O PT também está trabalhando na criação de uma realidade paralela há dois, três, quatro anos. Também usou em campanha desinformação contra Marina Silva em 2014. A coisa de transformar o impeachment em um golpe, que é uma coisa que não se sustenta nos conceitos clássicos, isso é uma criação de uma narrativa que é comprada pela militância do partido. Isso agora está sendo exacerbado na campanha do Bolsonaro. Eu só não quero fazer parecer que o Bolsonaro é pai de todos os males, sem reconhecer que existe uma hipocrisia imensa vinda do PT quando ele faz esse tipo de acusação, porque ele também promoveu campanhas de desinformação.

E para as próximas eleições, daqui a dois anos, avalia que o WhatsApp e as redes sociais vão ter a mesma influência?

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Vão continuar tendo uma influência muito grande, isso não vai embora. Mas as técnicas usadas nessa campanha não poderão ser usadas na próxima campanha. Assim como o Facebook implementou uma série de mudanças em sua estrutura para impedir a manipulação, certamente vai haver mudança no WhatsApp. A gente sabe que eles correm atrás disso.

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