Publicado em 10 de maio de 2021 às 21:39
O ministro Kassio Nunes Marques, do STF (Supremo Tribunal Federal), afirmou em julgamento no plenário virtual desta semana que parlamentares não devem perder o foro especial em situações em que mudam de Casa Legislativa, mas se mantêm em mandato eletivo. >
A tese é idêntica à do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), que pede para não ser investigado em primeira instância no caso das "rachadinhas" porque era deputado estadual na época dos delitos que o levaram a ser denunciado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro.
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Em junho do ano passado, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro concedeu o foro especial para que o processo contra o filho do presidente Jair Bolsonaro tramite em segunda instância e retirou o caso das mãos do juiz Flávio Itabaiana, que vinha dando decisões contra Flávio.
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O próprio TJ-RJ, um mês depois, reconheceu que a decisão pode ter sido "inédita", mas afirmou que não foi "absurda". O Ministério Público fluminense recorreu ao Supremo sob argumento de violação à jurisprudência do tribunal, mas uma deliberação final sobre o tema ainda está pendente.
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A declaração de Kassio foi dada no julgamento do STF que indica uma ampliação do foro especial de deputados federais e senadores nos chamados "mandatos cruzados".
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Com sete votos, o tribunal já formou maioria para manter no Supremo um inquérito contra o senador Márcio Bittar (MDB-AC) que investiga atos que ele teria cometido quando era deputado federal.
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O caso está em análise na sessão do plenário virtual que vai até esta terça-feira (11). Os ministros podem mudar de posição, mas é raro que isso aconteça.
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Além de Kassio, Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski votaram para manter a investigação no Supremo.
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A relatora Rosa Weber e os ministros Luís Roberto Barroso e Marco Aurélio divergiram. O presidente da corte, Luiz Fux, ainda não apresentou seu voto.
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A maioria formada até o momento entende que, apesar da restrição do foro a crimes cometidos durante o mandato e em função do cargo, não faz sentido retirar o benefício de políticos que trocam o mandato de deputado federal por de senador -ou vice-versa.
Isso porque em ambos os casos a responsabilidade para conduzir o processo é do STF, não havendo risco de haver o chamado "elevador processual", que ocorre quando políticos trocam de cargos e levam a um vaivém de seus processos na Justiça de acordo com a função que ocupam no momento.
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Entendimento oposto a esse já foi adotado, por exemplo, para remeter investigação contra o deputado Aécio Neves (PSDB-MG) à primeira instância, uma vez que o caso se referia a condutas dele enquanto senador.
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O envio do inquérito para primeiro grau ocorreu por ordem do ministro Marco Aurélio. O caso apurava acusações de delatores da JBS contra Aécio.
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O plenário nunca havia discutido o tema, mas a Primeira Turma do Supremo já tomou ao menos duas decisões no sentido contrário ao decidido nesta semana. O ministro Celso de Mello, que se aposentou no ano passado, também já havia se posicionado na linha da Primeira Turma.
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Rosa, Barroso e Marco Aurélio seguiram essa linha nesta semana e afirmaram que o caso de Bittar deveria ir para a primeira instância porque ele não é mais deputado federal, cargo que ocupava na época dos fatos em apuração.
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Sete colegas, porém, divergiram. Apenas Moraes, Fachin e Kassio incluíram seus votos no sistema e os demais apenas acompanharam a divergência.
>Fachin e Moraes, porém, deixaram claro que restringem a interpretação a situações de parlamentares federais porque quando a troca é entre as duas Casas do Congresso não há mudança do foro competente para a investigação, no caso, no STF.>
Moraes disse que "as sucessivas diplomações não alteram o foro competente, não acarretando qualquer prejuízo à efetividade da aplicação da Justiça criminal, inexistindo a 'manifesta disfuncionalidade do sistema', o 'sobe e desce processual' ou o 'elevador processual', que justificaram a conclusão" que restringiu o foro.
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Kassio, porém, foi além e sugeriu uma tese mais ampla, que vai ao encontro do que defendem os advogados de Flávio Bolsonaro.
"Afigura-se, portanto, correto concluir-se que a manutenção do foro, tal como existia à época dos fatos, é uma das garantias mínimas que se deve conferir ao parlamentar, sendo irrelevante para tal que ele tenha mudado de Casa Legislativa, ou que esteja em outro mandato e/ou em outro cargo desde que também seja de parlamentar e que não haja interrupção de exercício entre eles, posto que, assim sendo, não deixou de exercer as atribuições de parlamentar em momento algum", disse Kassio.
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Barroso, por sua vez, divergiu dos colegas e argumentou que apenas o envio do caso ao primeiro grau respeitaria a decisão do Supremo que restringiu o foro a delitos cometidos durante o mandato e em função do cargo.
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Para o ministro, a decisão pode gerar insegurança jurídica. "Ressalto, ademais, que vários inquéritos e ações penais em que se deu exatamente essa hipótese de 'mandato cruzado' já foram remetidos para a primeira instância."
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E completou: "Reputo que a manutenção do feito no STF (a) contraria o julgamento do plenário na AP 937-QO, (b) não aponta um critério que justifique a distinção defendida, (c) gera inadmissível insegurança jurídica; e (d) produz soluções distintas para pessoas que se encontram na mesma situação".
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