Publicado em 22 de dezembro de 2018 às 19:52
A eficácia da principal avaliação de ensino superior do País é criticada por um relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE, na sigla em português), divulgado nesta sexta-feira (21). Feita a pedido do Ministério da Educação (MEC), a análise questiona a continuidade da aplicação do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade), pois avalia que a prova tem objetivos irreais e falha na tarefa de atestar a qualidade das graduações.>
O exame, aponta o relatório, tem fraquezas significativas em concepção, elaboração, objetivos e resultados obtidos. Por isso, a OCDE recomenda ao MEC que avalie se vale a pena mantê-lo. É questionável se a qualidade e a utilidade dos resultados obtidos com o exame justificam o gasto de dinheiro público. Em 2017, a aplicação do Enade custou R$ 118 milhões.>
O MEC pagou 225,6 mil euros (cerca de R$ 990 mil) para que a OCDE - órgão reconhecido internacionalmente pela capacidade de avaliar a qualidade da educação, é responsável por exemplo pela elaboração do Pisa (Programa Internacional de Aavaliação de Alunos) - fizesse a análise sobre o sistema brasileiro. No entanto,o ministério informou aos Estado que não autorizou a divulgação do relatório e que não se manifestaria.>
Criado em 2004, o Enade é obrigatório para conclusão da graduação em instituições de ensino privadas e nas públicas federais. O exame avalia o rendimento dos alunos em duas partes: em relação aos conteúdos específicos dos cursos em que estão matriculados e em conhecimentos gerais. A prova visa a avaliar a qualidade das graduações no País. As notas do exame são convertidas em uma escala por faixas, que vai de 1 a 5. O mesmo ocorre com o Conceito Preliminar de Curso (CPC), indicador composto pelo Enade, dados sobre perfil dos professores e infraestrutura.>
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ANÁLISE: SIMON SCHWARTZMAN>
O primeiro problema da prova, segundo o relatório, está relacionado à participação dos estudantes. Apesar de o exame ser obrigatório para o estudante, o resultado obtido não tem impacto no histórico escolar. A equipe destaca que, a cada edição, o Enade registra entre 10% e 15% de abstenção e diz que há evidências de que uma proporção significativa dos que fazem a prova deixam grande parte das questões em branco.>
Sobre o formato, o relatório critica a avaliação de conhecimentos gerais. Para a OCDE, é problemático que o exame exija que os alunos de todas as graduações tenham adquirido conhecimentos e habilidades genéricas como as cobradas na prova. Também questiona a parte específica da avaliação e aponta que o conteúdo cobrado no exame pode engessar os cursos, uma vez que as faculdades podem passar a restringir o que ensinam ao que é avaliado na prova para, assim, obter uma nota melhor. Segundo o relatório, há um risco de a prova inibir inovações nos cursos.>
Além do conteúdo cobrado na prova, o relatório também aponta falhas na elaboração do exame, já que os resultados não podem ser comparados entre diferentes edições. Dessa forma, a avaliação não permite saber se um curso melhorou ou piorou sua qualidade ao longo dos anos. Atualmente, os resultados do Enade são usados como base para decisões regulatórias (por exemplo, a renovação do reconhecimento de um curso de graduação), mas não são usados pelas instituições de ensino e professores para identificar o que precisam melhorar em seus cursos, diz.>
O documento também aponta como ponto negativo o fato de não haver níveis mínimos de desempenho esperados dos alunos. As pontuações no Enade são simplesmente números. Não é possível saber se os alunos que estão em cursos que atingiram 50% ou 60% de acertos na prova apresentam desempenho bom ou ruim. O relatório conclui que é importante uma reflexão do MEC sobre a manutenção do Enade. E sugere que, se o ministério quiser manter o exame, é importante que sejam feitas alterações para que a prova seja capaz de fornecer informações confiáveis que ajudem professores e instituições a melhorar seus cursos.>
QUESTIONAMENTOS>
Especialista em políticas de ensino superior, Elizabeth Balbachevsky diz que os critérios utilizados atualmente para avaliar as graduações e instituições no País são arbitrários e pouco esclarecedores para os estudantes. As notas do Enade e o conceito se transformam em números vazios, formados com base em cálculos complexos, que não ajudam a identificar a qualidade do curso. Acredito que, para o aluno, seria mais importante ter informações como quantas pessoas abandonam o curso e onde estão empregados os formados.>
Representantes das universidades privadas também são críticos. Sólon Caldas, diretor da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (Abmes), diz que, como os alunos não têm compromisso com o resultado, a avaliação acaba sendo apenas punitiva para as instituições. O exame não avalia o curso e sua qualidade porque os alunos boicotam a prova. O resultado não ajuda a corrigir distorções ou apontar caminhos de melhora.>
POSIÇÃO OFICIAL>
Questionado sobre o relatório, que foi tornado público pela OCDE na manhã desta sexta-feira, o MEC informou que não autorizou a divulgação do relatório. "Portanto, não há como comentar um documento que, para o ministério, não está em sua versão final", afirmou, em nota divulgada na sexta à noite.>
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