Publicado em 1 de dezembro de 2018 às 17:04
Três anos após a tragédia de Mariana, o maior desastre ambiental da História do Brasil, novas consequências da tsunami de lama de rejeito de mineração da Samarco que devastou o Doce e outros rios de sua bacia continuam a ser descobertas. Um estudo recém-publicado indica que a lama depositada no leito e nas margens dos rios Gualaxo do Norte, Carmo e Doce pode favorecer a explosão da população de bactérias, algumas delas potencialmente nocivas para o homem.>
As bactérias se alimentam principalmente do ferro lançado em quantidade pela onda de rejeito do minério. A estimativa é de que a maior parte dos 45 milhões de metros cúbicos de rejeito permanece quase toda onde foi deixada pela onda do desastre.>
O alerta dos cientistas é que a água do Doce deve ser usada com cautela para o consumo humano e ser monitorada com rigor. Mais de 30 cidades que, juntas, têm cerca de 340 mil habitantes, captam água do rio.>
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"O Doce foi transformado num doente crônico, pois a lama será fonte de contaminação enquanto permanecer lá. Isso pode durar décadas", afirma o coordenador do estudo, Fabiano Thompson, da Coppe e do Laboratório de Microbiologia da UFRJ.>
Quando o verão chega e o período chuvoso se intensifica, os rios afetados voltam a correr risco de explosões de populações de bactérias, frisa Thompson, cujo grupo fez a primeira análise dos microbiomas afetados pelo desastre. Publicado na revista científica Science of the Total Environment, o estudo é derivado da tese de mestrado em engenharia de produção de Marcelle Cordeiro, da Coppe.>
A chuva acorda a lama porque arrasta o rejeito depositado nas margens e aumenta o fluxo dos rios, o que faz com que o rejeito do leito seja revolvido. Ele volta então a se misturar com a água. A lama é constituída basicamente de ferro, aminas (compostos orgânicos derivados da amônia e usados na separação do minério) e sílica.>
A Fundação Renova, criada para gerir o desastre, nega que exista contaminação por aminas. Mas o estudo observa que elas faziam parte do rejeito e diz que a Samarco (mineradora cuja barragem se rompeu, gênese do desastre) usava cerca de 1.500 toneladas de aminas por ano no processo de extração do ferro.>
"A vida macroscópica saudável, como peixes, crustáceos, minhocas, foi devastada. Mas os micro-organismos floresceram", destaca Thompson.>
Em sua maioria bactérias, esses micróbios precisam de ferro para crescer. Porém, quando o ferro está presente em quantidade exagerada, somente algumas espécies resistem e proliferam. Suas populações se multiplicam em minutos. Os cientistas recorreram a análises capazes de detectar os genes presentes em amostras. Encontraram micróbios ambientais, que não causam mal ao homem, mas também cianobactérias e bactérias entéricas, que podem causar infecções.>
Risco de longo prazo>
No estudo, os pesquisadores analisaram amostras de 16 localidades, coletadas um mês, seis meses e um ano depois do desastre. À medida que o tempo passou, o nível de sedimento de rejeito diminuiu e, com ele, os chamados booms (explosões de micro-organismos). Mas, frisa Thompson, o risco existirá ainda por muitos anos. Até 2017 foram detectados níveis acima do tolerável de sedimentos no período chuvoso. Dados do Instituto Mineiro de Gestão de Águas (Igam), que monitora a água bruta (não tratada), mostraram violações no período:>
"Dizem que a lama é inerte. Isso é mentira. Com mais chuva, ela volta a liberar sedimento. Os rios afetados pelo desastre são doentes crônicos. O ideal seria que essa água não fosse mais usada para consumo humano. Mas como isso é necessário, deve ser feito com extremo monitoramento.">
Ele observa que antes do desastre, embora muito poluído, o Doce ainda tinha algumas espécies de peixe nativas:>
"O que se vê hoje são apenas as tilápias, lançadas para repovoamento. É uma espécie estrangeira e altamente resistente, tolera metais. Dá a impressão que há peixes de novo no Doce. Mas é um engodo.">
Atualmente, a água do rio Doce é monitorada pela Fundação Renova, pelo Igam e pela Secretaria de Saúde de Minas Gerais. Brígida Maioli, do programa de monitoramento de água da Renova, diz que desde agosto de 2017 a fundação monitora a qualidade da água em 92 pontos e que análises mensais são realizadas. Segundo ela, durante 2017 os níveis apresentados eram tratáveis e até agora não foram detectados riscos para a saúde:>
"As bactérias que se alimentam de ferro alteram o gosto e o odor da água, mas não causam doença. Essas alterações podem ser removidas pelo tratamento.">
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