Publicado em 7 de julho de 2022 às 08:16
O número de cirurgias no Brasil para amputação de perna e pé aumentou 53%, se comparado 2012 com 2021, segundo ano da pandemia de Covid-19. Levantamento feito pela Sociedade Brasileira de Angiologia e de Cirurgia Vascular (SBACV) com base em dados do Datasus, do Ministério da Saúde, mostra que em 2012 foram registrados 18.908 procedimentos contra 28.906 em 2021.>
Em 2012, houve 1.576 amputações mensais e 51,80 diárias, em média. No ano passado, a média mensal foi de 2.409 e a diária, 79,19 - a cada hora, três brasileiros precisaram amputar a perna ou o pé.>
Para o cirurgião vascular Julio Peclat, presidente da entidade, nos últimos dois anos, com medo da infecção pelo coronavírus, as pessoas deixaram de ir ao médico e abandonaram o tratamento de doenças crônicas. A consequência é o agravamento do diabetes, da insuficiência renal, da hipertensão e da dislipidemia - alteração nos níveis de colesterol e triglicérides.>
A consequência é o agravamento do diabetes, da insuficiência renal, da hipertensão e da dislipidemia alteração nos níveis de colesterol e triglicérides.>
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As complicações da Covid-19, que agride os vasos e leva à trombose, e o tabagismo também são apontados como causas desse aumento. "Podemos interpretar esses dados no sentido de que uma das principais causas tenha sido o diabetes descompensado. Vimos que no período da pandemia houve uma descontinuidade no tratamento das doenças crônicas, entre as quais o diabetes. Então, os pacientes ficam mais vulneráveis a pequenas lesões nos pés, e a imunidade, mais debilitada", afirma o especialista.>
"No início da pandemia, conhecíamos muito pouco da Covid e a ordem era fique em casa. Nesse período, em muitas doenças crônicas, os pacientes deixaram de ter atendimento e agora estamos pagando um preço muito alto", diz Peclat.>
A aposentada Marlene Nunes Lamônica, 66, moradora em Magé, na região metropolitana do Rio de Janeiro, não descuidou da saúde durante a pandemia. Diabética, seguiu as orientações de proteção contra o coronavírus e compareceu às consultas para controle da doença. Mesmo com todos os cuidados, um ferimento levou à amputação do dedão do pé direito. "Fiquei um dia inteiro com uma sandália apertada e ela agravou um machucado que já tinha em cima do pé. Infeccionou. A infecção foi para o osso e deu osteomielite", conta.>
O médico a orientou a realizar a amputação o mais rápido possível. A cirurgia ocorreu em 10 de junho deste ano, no Hospital Samcordis, em São Gonçalo. "Estou me recuperando bem, o ferimento está sequinho, mas sinto uma diferença bem grande. Sinto falta do dedo. É um pedacinho que sai da gente, né? Mas é melhor perder um dedo do que perder a vida".>
O aumento desse tipo de cirurgia pode ser observado ano a ano, entre 2012 e 2021. No período, 238.391 pessoas sofreram a amputação de algum membro inferior - média mensal de 1.987 e diária de 65,3. Ao acrescentar 2022 (até março), o total de procedimentos chega a 245.811 - média mensal de 2.031 e diária de 66,9.>
A tendência é que 2022 continue com índices expressivos, até porque existe uma demanda reprimida. Em 2023, a expectativa é de redução dos números, uma vez que os tratamentos de saúde foram retomados. As regiões do país com maior percentual de aumento nas cirurgias para amputação de perna ou pé foram o Nordeste (56%) e o Sudeste (55%). Em seguida, aparecem o Centro-Oeste (52%), Norte (47%) e o Sul (43%). Alguns estados também apresentaram índices altos. >
É o caso de Alagoas (173%), se comparado o total de 2012 (182 cirurgias) com o de 2021 (497). No mesmo intervalo, em Roraima houve aumento de 160%; Ceará cresceu 146%; e Rondônia, 116%. Em contrapartida, no Amapá e no Amazonas é observada a redução de 29% e 25%, respectivamente.>
Dois fatores no diabetes aumentam a incidência de amputação. Um deles é a neuropatia diabética - a oscilação da glicemia provoca perda da sensibilidade nos pés, principalmente na planta dos pés. Com menos sensibilidade e menos dor, são negligenciados pequenos ferimentos.>
O outro é a microangiopatia diabética, um acometimento da microcirculação nos pés por conta do diabetes descompensado, segundo o médico. "Quando o diabetes não é disciplinado, paga-se um preço alto com a mutilação e até mesmo a vida", conclui o presidente da entidade.>
Outro fator preocupante é a subnotificação, ou seja, o indivíduo que tem diabetes e não sabe. No mundo, 1 em cada 5 pessoas desconhece ter a doença. "A pandemia nos revelou isso. Muitos que chegam ao consultório ou aos serviços de urgência com complicações do diabetes só descobrem que a têm após o atendimento. O Brasil já possui uma legião de amputados, que cresce exponencialmente", afirma o cirurgião vascular Mateus Borges, diretor de Publicações da SBACV.>
Os cofres públicos das regiões Sudeste e Nordeste foram os mais impactados do país pelas despesas com as cirurgias de amputação. O Sudeste foi responsável por 103.509 procedimentos, que juntos custaram R$ 302,9 milhões. São Paulo foi a unidade federativa que mas gastou: R$ 150 milhões por 51.101 operações. O Nordeste pagou R$ 186 milhões por 80.124 cirurgias. Pernambuco teve o maior gasto: R$ 42,3 milhões por 16.314 procedimentos.>
"Esse volume de gastos poderia ser evitado se os sistemas de saúde investissem mais em medidas preventivas, sobretudo no acompanhamento de pacientes diabéticos. Esse público carece de atenção permanente e multidisciplinar para que medidas drásticas, como a amputação de membros, não sejam tomadas", explica Peclat.>
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