Publicado em 20 de outubro de 2019 às 18:21
Estamos sozinhos no universo? Existe vida em algum outro mundo? Essas perguntas inquietam a humanidade - e cientistas, em particular - não é de hoje. Foram as dúvidas que moveram uma dupla de astrônomos suíços a descobrir, em 1995, o primeiro planeta fora do nosso Sistema Solar, orbitando uma estrela semelhante à nossa. O feito, que rendeu a eles o Prêmio Nobel de Física deste ano, foi o pontapé inicial para uma caçada que já identificou, depois disso, mais de 4 mil exoplanetas. >
Mas as dúvidas iniciais continuam. Ainda não encontramos um sistema solar gêmeo ao nosso - a principal aposta de vida fora da Terra. São essas questões que movem a próxima etapa da jornada: um projeto da Agência Espacial Europeia (ESA) para lançar em 2026 o satélite Plato. O Brasil é o único país fora da Europa a colaborar. >
Mais de uma dezena de cientistas de 11 instituições brasileiras ajudam na construção e na montagem do satélite, que terá como objetivo principal tentar achar um planeta rochoso com tamanho mais próximo do nosso, orbitando uma estrela como o nosso Sol, a uma distância com as condições básicas para abrigar vida. >
Segundo o astrônomo e astrofísico Eduardo Janot Pacheco, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (USP), e coordenador do comitê Plato-Brasil, o novo satélite vai aliar alta precisão fotométrica a um amplo campo de visão. O equipamento vai cobrir uma área do céu quase 20 vezes superior à coberta pelo Kepler, da Nasa, o maior satélite já lançado para estudar exoplanetas e que também tinha a missão de tentar achar novas Terras. >
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Por cerca de nove anos, o Kepler varreu o universo e observou mais de 530 mil estrelas. Até o fim de 2018, tinha achado sozinho 2.662 exoplanetas - fora do nosso Sistema Solar -, alguns de tamanho próximo ao da Terra. >
Os achados mais comuns do satélite da Nasa, porém, foram de corpos sem similares no nosso Sistema Solar. Outros satélites e telescópios também encontraram, nesse meio tempo, planetas pequenos e rochosos, mais ou menos do tamanho da Terra, na zona habitável - a uma distância de suas estrelas que pode permitir a existência de água líquida. Mas ainda se procuram condições mais similares à nossa. >
O Plato deve operar por cerca de 6,5 anos. A cada dois, vai mirar para uma mesma região no espaço, podendo enxergar 270 mil estrelas ao mesmo tempo. Ao fim da expedição, pode chegar a observar até 1 milhão de estrelas. >
Brilho>
"A vantagem de ter um campo de visão tão grande é que o Plato vai conseguir 'ver' um número maior de estrelas brilhantes, como o nosso Sol", explica o engenheiro Victor Atilio Marchiori, da Escola Politécnica da USP. Isso é importante porque a forma como o satélite consegue identificar os planetas é pela análise da luz emitida pelas estrelas. Quando o planeta, em sua órbita, passa na frente da estrela, isso causa uma variação na luz que ela emite, como se fosse um mini-eclipse. >
Mas se a estrela for pouco brilhante, planetas muito pequenos passam despercebidos, já que vão causar pouca variação na luz da estrela. É por isso que o Kepler acabou detectando muitos planetas gigantes. "Mas num campo de visão 20 vezes maior, a probabilidade de ver estrelas mais brilhantes também fica maior", diz Marchiori. O engenheiro atua no projeto calibrando o sistema para a obtenção dessas imagens. >
Ocorre que outros fenômenos podem imitar esse efeito dos trânsitos planetários, gerando falsos positivos. É onde entra o trabalho de Marchiori e de Fábio de Oliveira Fialho, professor da Engenharia Elétrica da Poli e pesquisador afiliado ao Observatório de Paris, que fazem correções nos instrumentos para torná-los dez vezes mais precisos do que as análises do Kepler, por exemplo. >
Para ilustrar a dificuldade, Pacheco diz que é como se alguém em outro mundo estivesse buscando a Terra, que leva um ano para dar a volta em torno do Sol. "Se alguém olhasse para a nossa estrela, veria a Terra passar uma vez por ano. Para ter certeza de que é mesmo um planeta e não um ruído, precisaria olhar por muitos anos, o que é caro." >
Outra dificuldade, explica Pacheco, é que no universo há dez vezes mais estrelas menores do que aquelas com o tamanho do nosso Sol. Como há muitas delas, muitos dos exoplanetas já descobertos ficam ao redor dessas estrelas. Por serem pequenas, o tempo de órbita dos planetas é curto, o que facilita também a detecção pelo satélite. >
Mas em muitos casos essas estrelas são o que os pesquisadores chamam de "hostis", instáveis, emitindo muita radiação. Mesmo se o planeta estiver na zona habitável, não necessariamente essas condições favoreceriam a vida por ali. "A definição de zona habitável só considera as condições que possibilitariam haver água em estado líquido, mas a vida depende de muitos outros fatores. Se a estrela é pequena e o planeta se encontra muito perto dela, não terá condições de abrigar vida", diz Marchiori. >
A maioria dos achados até hoje foi de gigantes gasosos. Muitos dos planetas pequenos e rochosos estão muito perto de suas estrelas, o que faz com que a temperatura seja de centenas de graus. Por isso, o foco do Plato será estrelas parecidas com a nossa e planetas semelhantes ao nosso. "É onde acreditamos que estão as maiores chances de se encontrar algum tipo de vida fora da Terra." >
Precisão>
Uma das conclusões das pesquisas com dados do Kepler é que é provável que de 20% a 50% das estrelas no céu tenham planetas pequenos, possivelmente rochosos, de tamanho parecido com o da Terra, em suas zonas habitáveis. O Plato terá a capacidade de investigar de modo mais abrangente essas possibilidades. >
Nesse levantamento tão grande de dados, ele vai precisar de uma grande precisão. Boa parte da qualidade deve ser obtida com um método ótimo de extração de fotometria - medição da quantidade emitida de fotons - das estrelas que serão observadas pelo Plato. Isso foi possível com um desenvolvido por Marchiori durante seu doutorado feito em regime de cotutela entre a Poli e o Observatório de Paris. O artigo com a descrição da metodologia foi publicado em julho na revista Astronomy & Astrophysics.>
Fialho já havia feito um trabalho de correção dos instrumentos com o satélite francês Corot, lançado no fim de 2006. Foi o que abriu mais espaço para o Brasil colaborar com o Plato. A participação brasileira se insere em um projeto temático da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), que fez aporte de R$ 8 milhões. >
Participam ainda a Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Guaratinguetá, a Universidade Presbiteriana Mackenzie, o Instituto Mauá de Tecnologia, o Observatório Nacional, as Federais de Minas (UFMG) e do Rio Grande do Norte (UFRN), o Observatório do Valongo, o Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho e a Universidade Estadual de Ponta Grossa (PR).>
Exoplaneta rendeu Nobel>
Os astrônomos suíços Michel Mayor e Didier Queloz foram laureados no último dia 8 com o Prêmio Nobel de Física pela primeira descoberta de um exoplaneta que orbita uma estrela semelhante à nossa fora no nosso Sistema Solar. Eles encontraram em 1995 o planeta 51 Pegasi b, ao redor da estrela 51 Pegasi. Trata-se de um gigante gasoso comparável ao maior planeta do nosso Sistema Solar, Júpiter. >
O método usado por eles não foi o do mini-eclipse, adotado pelo Plato e pelo Kepler. Eles identificaram pequenas alterações na posição da estrela, causadas pela força gravitacional exercida pelo planeta quando ele passa perto dela. O achado iniciou uma revolução na Astronomia. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.>
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