Publicado em 7 de março de 2023 às 14:27
Primeiro imperador do Brasil, dom Pedro 1º (1798-1834) acabada de ganhar nova representação facial, embasada em uma investigação multidisciplinar que envolveu o processamento de cerca de 20 mil imagens de tomografia computadorizada, além de uma série de estudos médicos, odontológicos e de outras fontes.>
As imperatrizes Leopoldina (1797-1826) e Amélia (1812-1873) também tiveram a aparência representada digitalmente.>
A responsável pelo trabalho é a arqueóloga e historiadora Valdirene Ambiel, que incluiu a chamada aproximação visual da família imperial como parte de sua tese de doutorado na Faculdade de Medicina da USP, aprovada nesta terça-feira (7).>
"A aproximação facial é uma correlação minuciosa entre ossos e músculos", explica a pesquisadora. "Primeiro de tudo, tem de se estudar muito a anatomia", afirma, destacando que esse tipo de trabalho exige "a maior quantidade possível de imagens".>
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A análise da estrutura craniofacial de dom Pedro identificou que ele tinha o rosto alongado, com lábio superior curto e padrao dos olhos "caidos", provavelmente com olheiras profundas. O imperador também tinha um desvio de septo que prejudicava sua respiração.>
A análise odontológica do autor do grito do Ipiranga revelou ainda algumas características curiosas, como o hábito de mastigar sobretudo do lado direito da boca. Ele tinha quase todos os dentes em boas condições, sem lesões por cáries, o que permite inferir que ele tinha uma boa higiene oral. O fato de ter dois dentes com restaurações metálicas, provavelmente feitas em ouro, mostra seu acesso a um cirurgião-dentista.>
Já Amélia, que morreu aos 60 anos, tinha apenas cinco dentes na boca, o que pode ter representado dificuldades para se alimentar. O corpo da imperatriz, no entanto, estava bastante conservado, inclusive com alguns tecidos moles.>
O trabalho mostrou que a imperatriz Leopoldina possuía ossos maxilares assimetricos, com características que normalmente conferem à fisionomia um queixo protuberante, com dentes inferiores passando na frente dos superiores.>
Ambiel destaca que, apesar da riqueza do material, foi fundamental extrapolar a análise dos restos mortais e da indumentária e dos adereços usados no sepultamento.>
"Por mais semelhante que o ser humano seja, até entre gêmeos existe algum tipo de diferença. Isso se dá por diferentes razões. Por exemplo, até a nossa forma de falar e os nossos hábitos têm influência [na aparência]", diz ela.>
Para dar conta de identificar os detalhes que podiam influenciar no visual dos representados, a cientista estudou desde os hábitos alimentares e esportivos dos monarcas até o histórico de saúde deles e de pais e avós.>
A pesquisa inclui a análise de 96 imagens de litografias e outras artes dos imperadores, desde a infância até a morte.>
"Com base nestas imagens e com o uso de tecnicas forenses foi possivel ver detalhes de identificacao: sobrancelhas; cabelo e caracteristicas de cartilagens, tais como orelhas, alem do uso de informacoes historicas sobre caracteristicas fisicas: cor de cabelos e olhos, cutis", diz o trabalho.>
O resultado final mostra os membros da família imperial com a aparência que tinham cerca de um ano antes da morte. A aproximação mostra o busto dos monarcas, trajando as roupas usadas no sepultamento.>
Dom Pedro 1º foi representado com o uniforme de general lusitano. Amélia foi retratada com um vestido preto e um véu.>
A imperatriz Leopoldina aparece com o traje usado na coroação do marido. As imagens da tomografia permitiram recriar parte do vestido, mas a concepção da faixa em seu busto foi feita com base em uma litografia, uma vez que o tecido original já havia perdido a pigmentação.>
A tese de doutorado contou com a revisão de diversos profissionais para validar aspectos médicos e odontológicos, entre outros pormenores.>
O trabalho de computação gráfica, que deu vida ao material científico produzido, ficou a cargo do artista visual Rodrigo Sanches Avila.>
A incorporação dos detalhes das imagens, como disposição dos pelos faciais e textura da pele, foi feita de maneira bastante cuidadosa, conforme ilustra trabalho de recriação do bordado do véu de Amélia. "O bordado do véu (...) foi confeccionado um a um. Em linhas gerais, e como se o profissional estivesse ornando manualmente, obviamente nesse caso de maneira digital.">
Embora todas as imagens tenham demandado dedicação, a aproximação de dom Pedro foi a mais trabalhosa, de acordo com a pesquisadora. "Isso se deve pelas condições em que os restos mortais estavam, completamente desarticulados.">
Ambiel destaca que as condições em que os ossos foram encontrados evidenciam a falta de cuidado com o transporte e com o próprio armazenamento dos restos mortais do monarca ao longo dos anos.>
Com sua dissertação de mestrado, defendida em 2013, Valdirene Ambiel se tornou a primeira cientista a conduzir um estudo detalhado dos restos mortais da família imperial brasileira.>
Para sua pesquisa, ela pode ter acesso aos corpos do trio real, que está sepultado no Monumento à Independência, em São Paulo. O material passou por análises químicas, físicas e exames de imagem.>
Além do pioneirismo, o trabalho teve grande repercussão por conta de seus vários achados, entre os quais a ausência de fratura no fêmur de Leopoldina. Apesar da falta de documentação oficial, alguns historiadores afirmavam que a imperatriz teria morrido por complicações após ter sido empurrada de uma escadaria por dom Pedro.>
Parte do vasto material produzido no mestrado, incluindo milhares de imagens de tomografia computadorizada, foram usados agora no doutorado.>
A pesquisadora escolheu defender a tese após as comemorações do bicentenário da Independência brasileira, celebrado no último 7 de setembro, para evitar o aproveitamento político da ocasião. "Já chega de eles serem usados pela política do Brasil.">
A arqueóloga também diz que quis dar mais sentido à biografia de d. Amélia, que não tem interferência direta no processo de Independência.>
"D. Amélia em 1822 tinha 10 anos de idade. Como ela já é uma imperatriz que tem uma história menos conhecida no Brasil, ela ficaria mais 'esquecida' ainda, dentro de um contexto que ela não tem nada a ver", completa.>
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