Publicado em 19 de maio de 2022 às 07:55
A Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira (18) o projeto que regulamenta o ensino domiciliar no país, uma das bandeiras ideológicas do governo de Jair Bolsonaro (PL) na educação.>
O texto-base foi aprovado por 264 votos a 144. Os deputados ainda precisam analisar propostas de alterações, o que deve acontecer nesta quinta (19). A seguir, a proposta segue para o Senado, onde a expectativa é que não tenha uma tramitação rápida - a Casa costuma analisar com mais cautela temas controversos aprovados pelos deputados. O projeto inclui na lei de diretrizes e bases da educação a opção pelo ensino domiciliar.>
Atualmente, a educação domiciliar não é considerada uma modalidade educacional no Brasil. A Constituição obriga as famílias a matricularem seus filhos entre 4 e 17 anos em escolas. Em 2018, o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu que o modelo não é inconstitucional. Assim, sua oferta dependeria de regulamentação legislativa.>
O tema é pauta histórica de grupos conservadores e religiosos. Com o projeto, Bolsonaro busca agradar sua base de apoio guiada por princípios cristãos e ideológicos.>
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Apesar disso, pesquisa Datafolha divulgada em maio mostrou que oito em cada dez brasileiros demonstram rejeição ao ensino domiciliar. Um total de 78,5% discorda de os pais terem o direito de tirar os filhos da escola para ensiná-los em casa - 62,5% totalmente, e 16% em parte. A pesquisa foi coordenada pela Ação Educativa e Cenpec.>
Defensores, que vão na contramão da grande maioria dos especialistas, argumentam que regularizar o tema atende ao direito das famílias de decidir como educar os filhos e que milhares de adeptos vivem sob insegurança jurídica. Críticos defendem que oficializar a opção fere o direito de frequentar a escola, considerada por eles crucial para a educação integral e para a socialização.>
Relatado pela deputada Luisa Canziani (PSD-PR), o texto prevê alguns mecanismos de controle, como a necessidade de um dos responsáveis, ou preceptor, ter ensino superior, de a matrícula estar vinculada a uma escola, além de avaliações periódicas.>
Também é prevista a perda do direito à educação domiciliar caso haja reprovações. A proposta exige que pais ou responsáveis apresentem certidões criminais da Justiça federal e estadual e cumpram os conteúdos curriculares referentes ao ano escolar do aluno, seguindo a Base Nacional Comum Curricular - apesar de admitir a inclusão de conteúdos adicionais considerados pertinentes.>
Conforme o projeto, pais ou responsáveis legais deverão garantir a convivência familiar e comunitária do estudante. Esse é um dos pontos tidos como sensíveis por quem rejeita o modelo de ensino, pela avaliação de que a socialização promovida pela escola é importante para o desenvolvimento do aluno.>
De acordo com o texto, a escola ou rede de ensino deverão promover encontros semestrais das famílias optantes pela educação domiciliar, para que troquem experiências. A proposta veda discriminação entre crianças e adolescentes que recebam educação domiciliar, inclusive no que se refere à participação em concursos, competições, eventos pedagógicos, esportivos e culturais.>
Há ainda a previsão de perda do direito à opção pelo ensino domiciliar caso os pais ou responsáveis incorram em crimes previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente ou se a avaliação evidenciar progresso insuficiente do aluno.>
A escola ficará responsável por controlar a frequência do aluno - o mínimo é de 75% do total de horas letivas para aprovação. Caso aprovada, a lei entra em vigor após decorridos 90 dias de sua publicação.>
Não há informações precisas sobre o número de famílias na educação domiciliar. O próprio governo chegou a divulgar que a quantidade estava entre 5.000 e 31 mil. Algumas famílias praticantes do ensino domiciliar estiveram na Câmara nesta terça-feira (17) a convite de parlamentares favoráveis. Presente na casa, a advogada Barbara Reis, 29, afirma que seus três filhos (de 9, 12 e 13 anos) não frequentam a escola. "O mais novo nunca foi à escola, fala inglês e português, é uma criança totalmente normal, faz esporte, música e socializa normalmente com outras crianças", diz.>
"Os pais escolhem muitas coisas pelos filhos até a adolescência e juventude. Os pais escolhem segundo esse amor que sentem e segundo o pátrio poder que o sistema legislativo confere aos pais", afirmou ela, ao ser questionada sobre o entendimento predominante de educadores de que as crianças é que são os sujeitos do direito da educação.>
O ensino domiciliar é emblemático sobre o teor ideológico da pauta de educação no governo Bolsonaro, a despeito das prioridades da educação brasileira. O MEC esteve ausente no apoio às redes de ensino na pandemia e ficou distante do debate sobre a renovação do Fundeb, mecanismo de financiamento da educação básica.>
Iniciativas de educação do governo foram classificadas como retrocessos em diagnóstico elaborado pelo movimento Agenda 227, que envolve 18 organizações. Além de elencar a educação domiciliar entre os pontos negativos, o grupo cita a política de educação especial lançada em decreto em 2020. Entidades ligadas ao tema da educação, como a Campanha Nacional pelo Direito à Educação, se posicionaram contra o projeto. Para a entidade, a regulamentação seria inconstitucional e uma afronta ao direito à educação.>
Durante a votação, deputados de oposição criticaram o projeto. "A escola é um centro de vivência. A escola não é somente um espaço de repasse de conteúdo", defendeu a deputada Alice Portugal (PC do B-BA). "A escola é o momento de compartilhar histórias, de desenvolver empatias, de gerar todo o processo em que o cognitivo e o emocional se realizam, em que a possibilidade de trocas, de conhecimento do outro se realiza. O que está sendo feito com esse projeto, mesmo com voz mansa, é roubar a infância, é isolar crianças, é construir não sei que tipo de pensamento ou de redoma".>
Por outro lado, bolsonaristas apoiaram a aprovação do texto. A deputada Soraya Manato (PTB-ES) fez um discurso em que afirmou haver sexualização das crianças dentro da escola. "Há politização das nossas crianças dentro da escola e agora há a implantação de banheiros unissex dentro das escolas. Então, os pais e os responsáveis pelas nossas crianças e adolescentes têm o direito, sim, de não quererem isso para seus filhos", disse.>
"Os pais e responsáveis têm o direito, sim, de educarem os seus filhos da maneira que eles acham mais justa, fortalecendo as famílias, fortalecendo a religiosidade dessas crianças, tornando-os adultos sérios, adultos que vão constituir suas famílias, adultos com uma educação muito melhor.">
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