Publicado em 11 de janeiro de 2021 às 20:54
- Atualizado há 5 anos
Uma das máximas da política brasiliense é a de que jabuti não sobe em árvore – é colocado. Não há ideia que circule no Congresso que não tenha um padrinho claro, ainda que ele não se declare desta forma. Não foi preciso procurar muito para achar o pai espiritual da ideia de conceder maior autonomia às polícias estaduais, retirando boa parte da subordinação aos governadores prevista na Constituição: o presidente Jair Bolsonaro.>
O jornal O Estado de S. Paulo publicou, nesta segunda (11), reportagem mostrando que o Ministério da Justiça apoiou discussões para embasar dois projetos de lei que devem ser apresentados ao Congresso com tais medidas.>
Não se sabe ainda quem da bancada da bala irá colocar o jabuti para circular, mas a própria pasta fala no texto em discussões avançadas. Com a possibilidade de o candidato de Bolsonaro à presidência da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), ser eleito no mês que vem, seria de se esperar uma tramitação célere.>
Ao sinal de presença do quelônio, governadores reagiram duramente. O maior antípoda de Bolsonaro, João Doria (PSDB-SP), apontou diretamente para o presidente como inspirador da ideia. Nomes à esquerda, como Flávio Dino (PCdoB-MA), foram na mesma linha.>
>
A articulação no Fórum de Governadores foi intensa pela manhã. Com o interminável 2020 da pandemia, alguém pode achar que o motim da polícia do Ceará em janeiro do ano passado foi um fato de outra era geológica.>
Mas não: naquele momento o governo Bolsonaro flertou abertamente com os amotinados, enviando um compassivo chefe da Força Nacional para posar de líder sindical entre eles. Tudo com a complacência do então chefe da pasta da Justiça, Sergio Moro, ainda um feliz ministro.>
Mais: Bolsonaro buscou evitar renovar a presença de tropas federais para garantir a segurança no estado. Foi acusado por Doria de "milicializar" as polícias.>
O novo coronavírus desembarcou no país e o assunto dormitou, mas o caldo de insurreição nunca deixou de ferver. A mistura de política com quartéis da PM e delegacias, evidenciada na chegada de um nome associado ao motim cearense ao segundo turno na disputa por Fortaleza, seguiu.>
Não é segredo que Bolsonaro e sua família mantêm uma ligação histórica com esse viés sindicalistas do povo de farda, seja ela estadual ou federal. Eles tratam a Polícia Rodoviária Federal como sua guarda pretoriana, com mimos orçamentários e intermináveis visitas a unidades Brasil afora.>
Mesmo sem os tais projetos, que criam mandatos para chefes da PM e da polícia civil e basicamente as subordinam à União, terem se materializado no Congresso, os governadores sentiram o cheiro de queimado.>
Eles discutem entre si sobre a possibilidade de tais iniciativas se encaixarem às tentações autoritárias de Bolsonaro, explícitas quando o presidente justapõe a narrativa do golpe tentado por seu ídolo Donald Trump nos EUA na semana passada com o que pode ocorrer em 2022 caso ele perca a eleição.>
Ainda que seja altamente especulativo, o temor é simples: buscar apoio armado nos estados para eventuais ações antidemocráticas de contestação de resultados.>
O tema incomodou também membros da cúpula da ativa das Forças Armadas. Embora sempre gostem de lembrar que PMs e bombeiros são forças auxiliares do Exército, eles sabem que isso só acontece em tempos de guerra.>
É uma regra que remonta à Constituição de 1934, sob o impacto da Revolução Constitucionalista paulista de dois anos antes.>
Já há um mal-estar generalizado pela exposição que a Força tem com o desempenho do general da ativa Eduardo Pazuello à frente do Ministério da Saúde, além do aparelhamento fardado da pasta em meio à pandemia.>
No fim do ano, o comandante do Exército, Edson Leal Pujol, riscou uma linha no chão ao dizer que militar não deveria ter lugar na política. Pazuello continuou onde estava, contudo, e a última coisa que o serviço ativo quer agora é mais marola.>
Evidenciado o jabuti em formação, a tendência é de que ele caia no esquecimento provisório. Mas como disse Ricardo Salles (Meio Ambiente) na infame reunião ministerial de 22 de abril passado, o caos da pandemia dá margem à passagem de várias boiadas.>
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta