Publicado em 28 de dezembro de 2019 às 11:44
Enquanto o perfil do aluno da USP fica mais diverso, sobretudo com as cotas, o dos professores permanece majoritariamente branco na universidade. Apenas 1,8% dos 5.655 docentes se define como pardo, e 0,3% como preto. Só um educador é indígena. >
Em 20 unidades, não há um só professor que se declare pertencente a um desses três grupos, que representam 37,5% da população do estado de São Paulo.>
Entre elas, a FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo), a Esalq (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz) e o Instituto de Biociências, segundo informa o sistema de Transparência da USP. Não há dados sobre raça/cor de 6,8% dos docentes.>
A maior chance de ter aula com um educador preto ou pardo na USP é ir à Faculdade de Educação, onde eles têm a maior representação: 10%.>
>
Para estar em uma aula ministrada por um indígena, a única opção é ir ao Instituto de Psicologia. Lá está Danilo Silva Guimarães, professor da universidade desde 2011.>
Foi durante a graduação na própria USP que ele passou a se reconhecer como indígena.>
Descendente dos maxakali por parte do pai e de outro povo indígena cuja origem se perdeu ao longo do tempo por parte da mãe, ele nasceu e foi criado na cidade de Itanhém, no extremo sul da Bahia.>
Cresceu ouvindo o relato de sua bisavó paterna sobre a ancestral que foi retirada da aldeia maxakali nas proximidades, levada criança para trabalhar na casa de uma família e que perdeu o contato com os parentes indígenas.>
A história da infância voltou à mente de Danilo em uma aula da área de psicologia social.>
"A professora fez uma dinâmica em que a gente precisava se autodeclarar. Fiquei em dúvida se dizia indígena ou negro", recorda. "Lembrei do que era dito na minha família e me autodeclarei indígena. No intervalo da aula, liguei para os meus pais para me certificar, eles confirmaram.">
A informação despertou interesse e curiosidade de colegas de sala, que também a partir daquele momento tomaram contato com essa identidade que até então não se mostrava. "Eles ficaram impressionados com a presença de um indígena na sala de aula. Estávamos no terceiro ano e, até então, eu era o baiano, ou seja, a minha identidade regional era mais marcada.">
A circunstância foi determinante para ele escolher seu foco de estudos desde então.>
Guimarães procurou saber mais de suas origens e conheceu a aldeia dos maxakali.>
Descobriu que eles tinham cantos que evocavam os filhos que se perderam, e que o rapto de crianças na tribo, como o de sua ancestral, era algo comum. "Aquilo mexeu muito comigo", lembra.>
Dedicou a pós-graduação a entender mais essas relações e, já professor da USP, decidiu transformar em atividade acadêmica o incômodo que sentia por pensar que o curso de psicologia não preparava os alunos para atender pessoas de outra origem cultural.>
"Autores clássicos como Freud e Piaget tomam valores ocidentais como centrais, por exemplo ao dar ênfase ao indivíduo e às relações que ele estabelece com a sociedade urbana. Os indígenas têm uma vivência muito comunitária e uma compreensão da pessoa que não é individualizada da mesma forma", explica.>
Já professor da USP, ele visitou uma aldeia guarani em Parelheiros, extremo sul de São Paulo, e percebeu incômodo das lideranças com os pesquisadores, pois os indígenas não se sentiam contemplados nos resultados dos estudos.>
Formou uma rede de apoio, e muitos indígenas foram à Cidade Universitária, mas ainda se mostravam pouco à vontade com o ambiente universitário tradicional.>
Guimarães então fez com eles o projeto da Casa de Culturas Indígenas da USP, construção guarani que ficou pronta em 2017, onde são realizadas diversas atividades acadêmicas e de extensão.>
Hoje, ele luta para que a universidade adote um vestibular específico para povos indígenas, como fazem instituições como a Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), a Ufscar (Universidade Federal de São Carlos) e a UnB (Universidade de Brasília).>
Trata-se de um processo seletivo próprio, que leva em conta particularidades como parte dos índios não ter o português como primeira língua.>
Para o professor, a USP deixa de produzir conhecimento em todas as áreas ao ter um corpo docente tão pouco diverso, uma vez que o interesse e o olhar dos pesquisadores têm muito a ver com suas histórias pessoais.>
"Para entender o aumento da depressão, a psicologia, por exemplo, se beneficiaria muito de aprender com os modos de convivência indígena, os processos comunitários de cuidados com os mais velhos e crianças e a construção de uma coesão social.">
Um dos professores negros do quadro da Faculdade de Educação, Rosenilton de Oliveira afirma que vê uma grande responsabilidade ao ocupar o cargo. "Não de provar que somos melhores que ninguém, mas de tensionar para que a gente alargue isso. Estando aqui, vou fazer o possível para que outras pessoas negras possam estar e despertar nas pessoas não negras o pensamento para isso", diz.>
Ele ressalta a importância de pessoas brancas serem implicadas na discussão sobre racismo, uma vez que não se trata de um problema das pessoas negras, mas da sociedade.>
"É preciso fazer aos brancos uma pergunta que muitas vezes se faz ao negro: como se sente sendo uma pessoa branca? É uma questão que causa estranhamento, porque a pessoa branca se sente universal.">
Diretor da faculdade, Marcos Neira afirma que a presença de mais professores pretos e pardos do que a média em sua unidade se deve a uma "feliz coincidência", já que não há direcionamento nesse sentido. Mas que é bem-vinda, por mostrar aos alunos a diversidade que a escola deve ter.>
Professor do departamento de Sociologia e pesquisador de desigualdades educacionais, Murillo Marschner Brito avalia que um dos resultados de médio e longo prazo das cotas será ampliar e consolidar uma intelectualidade negra, que pensará as relações raciais, e outros temas, do próprio ponto de vista, e não sob a perspectiva dos brancos.>
Pró-reitor de Graduação, Edmund Baracat afirma que a, com um perfil de aluno mais diverso, o mesmo ocorrerá com o corpo docente à medida que esses estudantes avançarem na carreira acadêmica.>
Série de reportagens expõe efeito da adoção das cotas na USP>
Textos mostram o novo perfil da universidade com reserva de vagas para alunos de escola pública, pretos, pardos e indígenas, além d os desafios e lacunas na inclusão>
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta