Publicado em 11 de janeiro de 2021 às 17:06
- Atualizado há 5 anos
As lacunas no anúncio no último dia 7 dos resultados da Coronavac, vacina desenvolvida pela parceria entre a farmacêutica chinesa Sinovac e o Instituto Butantan, chamaram a atenção de especialistas. O responsável pela ausência continua sendo o contrato do Butantan com a empresa chinesa, que já impediu anteriormente a divulgação dos resultados no país. >
O grande número do anúncio do último dia 7 foram os 78% de prevenção de casos leves (que necessitam de algum auxílio médico), mas a eficácia, que engloba também aqueles que não precisaram de assistência, mas que foram infectados, não foi divulgada.>
A razão disso, segundo a reportagem apurou com pessoas ligadas à pesquisa da vacina, é a proibição, pelo contrato que tem com a Sinovac, de o Butantan anunciar ao público qual é a taxa.>
A informação vai ao encontro do que consta no acordo entre a Sinovac e o Butantan, ao qual a CNN Brasil teve acesso em novembro do ano passado. Segundo a emissora, no termo, no item 4.8.6, consta que "a Sinovac detém os direitos de propriedade intelectual e interesses da Sinovac na vacina e que os dados clínicos da Fase III abrangem os direitos de propriedade intelectual e interesses da Sinovac na vacina".>
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A preponderância da decisão da Sinovac quanto até mesmo à divulgação de dados se repete em outros trechos, segundo a CNN.>
Em outra parte do acordo, consta que "a menos que expressamente permitido por este acordo ou com o consentimento prévio escrito e expresso da Sinovac, o Butantan não irá manusear, utilizar, descartar, divulgar para, permitir que seja utilizado ou compartilhar com terceiros ou suas próprias filiadas (exceto com as autoridade regulatórias) o dossiê do produto de propriedade e fornecido pela Sinovac".>
Em mais um trecho, lê-se: "a Sinovac reserva o direito de decisão, escolha, eleição, a seu critério de manuseio, uso, divulgação, permissão de uso ou compartilhamento com qualquer terceiro ou suas filiadas de tais dados clínicos da Sinovac".>
Mesmo assim, após insistência de jornalistas presentes, Dimas Tadeu Covas, diretor do Butantan, apontou alguns dados aproximados relacionados a infecções pela Covid-19 detectadas durante a fase 3 do estudo da Coronavac no Brasil. Segundo ele, foram 218 infecções, sendo 160 no grupo placebo e pouco menos de 60 no grupo vacinado.>
A partir desses dados, é possível calcular uma eficácia de cerca de 64%, 14 pontos percentuais abaixo dos 78% de prevenção de casos leves e 14 pontos percentuais acima dos 50% da eficácia mínima exigida pelas agências regulatórias, como a Anvisa. Para chegar a esse número -mais precisamente 63,75%-, leva-se em conta 58 infecções no grupo vacinado e grupos (placebo e o que tomou a vacina) do mesmo tamanho.>
O motivo inicial, ainda no ano passado, de a Sinovac ter segurado o anúncio dos resultados brasileiros seria a discrepância em relação a resultados dos testes em outras partes do mundo, como na Turquia, onde a eficácia anunciada foi de 91,25% -apesar de o país ainda ter somente dados provisórios.>
A explicação dos cientistas para essa diferença tem pelo menos dois componentes. O primeiro é a população de cada país, que está longe de ser homogênea.>
O segundo é intrínseco ao ensaio brasileiro. Por aqui os voluntários eram profissionais de saúde, que sofriam uma exposição muito maior aos vírus -e aí têm que ser considerados o número de encontros com possíveis fontes de infecção e a maior quantidade de vírus que chega no sistema respiratório dessas pessoas.>
Pesquisadores ouvidos pela reportagem sob condição de sigilo atestam a integridade dos testes e se dizem confiantes na qualidade da vacina, mas apontam problemas.>
Um deles é a pressão do governo João Doria (PSDB) para emplacar uma vitória política contra o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que incluiu datas para anunciar resultados e também para iniciar a imunização no estado.>
Outro é a falta de transparência da Sinovac, que tem dificultado o acesso geral aos dados, o que tem sido cobrado por pesquisadores brasileiros, por considerar baixa a eficácia obtida no braço brasileiro dos testes, dizem as fontes ouvidas pela reportagem.>
Já logo em seguida à coletiva com o anúncio, Esper Kallás, infectologista da da Faculdade de Medicina da USP, que participou do anúncio, afirmou à Science uma certa frustração pela não divulgação dos dados mais detalhados. Segundo o especialista, há divergência entre o Butantan e a Sinovac quanto ao que se configura como um caso de Covid-19 (além da confirmação de infecção por PCR).>
De toda forma, mesmo com uma eficácia geral mais baixa, quando comparada a outras vacinas, como a da Pfizer (95%) ou a russa Sputnik V (90%) -que ainda não teve dados da fase 3 disponibilizados para a comunidade científica avaliar-, especialistas afirmam que a Coronavac pode ser fundamental para conter as mortes por Covid-19 no país, tendo em vista o sucesso de 100% em evitar quadros graves nos testes.>
Outra vantagem da Coronavac é a facilidade de armazenamento, em refrigeradores convencionais. Além disso, como a produção está sendo feita pelo Butantan, a logística de distribuição do imunizante também tende a ser facilitada.>
Desde sexta (8), a Anvisa está analisando o pedido de uso emergencial da vacina. O prazo de análise é de 10 dias. Só depois disso haverá a divulgação dos dados e, por fim, a publicação dos resultados na forma de artigo científico.>
Procurado, o Instituto Butantan não se manifestou até a publicação desta reportagem.>
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