Publicado em 20 de julho de 2020 às 08:25
A operação policial deflagrada neste mês que atingiu o Movimento Brasil Livre (MBL) acirrou a disputa entre grupos da chamada nova direita pelo domínio desse campo político. >
O movimento, que adquiriu notoriedade nas manifestações pelo impeachment de Dilma Rousseff (PT), foi alvo de uma ação de busca e apreensão em sua sede, em São Paulo, no último dia 10.>
Dois ativistas próximos ao MBL, embora não formalmente filiados a ele, foram presos na ação, deflagrada pelo Ministério Público de São Paulo, Receita Federal e Polícia Civil.>
O chumbo trocado entre bolsonaristas e integrantes do MBL, grupo que rompeu com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) após ter apoiado sua eleição, tem como cenários a CPMI das Fake News no Congresso, as redes sociais e a Assembleia Legislativa de São Paulo.>
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O pano de fundo é a queda de braço pela predominância no eleitorado de direita, um segmento que cresceu nos últimos anos. O próximo lance é a eleição municipal, que deve ser um ensaio geral para a disputa nacional de 2022.>
Na Assembleia, os antagonistas na direita mobilizam suas fileiras a partir de dois gabinetes que controlam. >
O bolsonarista Movimento Conservador elegeu para o Legislativo estadual um de seus membros, Douglas Garcia, recém-expulso do PSL. Seu chefe de gabinete é Edson Salomão, presidente do grupo e que, após tentar viabilizar uma candidatura a prefeito de São Paulo, disputará a Câmara Municipal pelo PRTB.>
Já o MBL tem o deputado Arthur do Val, conhecido como Mamãe Falei, que será candidato a prefeito da capital pelo Patriota, após ter sido expulso do DEM.>
Garcia é alvo do inquérito das fake news do Supremo Tribunal Federal (STF), enquanto o MBL de Arthur é, desde a operação policial, acusado de lavagem de dinheiro e associação criminosa.>
O motivo seria a suposta relação do MBL com os empresários Alessander Monaco Ferreira e Carlos Augusto de Moraes Afonso (que usa nas redes sociais o pseudônimo Luciano Ayan).>
Ayan, além de apoiador do grupo, é sócio em uma consultoria de tecnologia de um dos principais integrantes do movimento, Pedro D'Eyrot. Segundo a Promotoria, ele seria dono de empresas de fachada que movimentam valores incompatíveis com seus rendimentos e responsável por espalhar fake news sobre a vereadora Marielle Franco (PSOL), assassinada em 2018.>
As acusações sobre Monaco, que também atua na área de tecnologia, são igualmente de criação de empresas de fachada para movimentar R$ 3,6 milhões, valor que estaria além dos seus rendimentos.>
Segundo o Ministério Público, Monaco é uma das pessoas que financiam o MBL com doações por uma plataforma do YouTube.>
A investigação aponta que tais doações são ocultas e difíceis de rastrear, por isso são ideais num esquema de lavagem de dinheiro.>
Já o MBL é acusado de, além de receber as doações, promover uma "confusão jurídica" com outra empresa que possui, a Movimento Renovação Liberal (MRL), para favorecer o esquema de lavagem de dinheiro.>
A Promotoria afirma ainda que o conglomerado de empresas da família de Renan dos Santos, fundador do MBL, deve R$ 400 milhões à União.>
Membro da cúpula do movimento, o deputado federal Kim Kataguiri (DEM-SP) diz que o MBL não tinha conhecimento sobre movimentações financeiras atípicas em empresas de Monaco e de Ayan.>
"Nosso relacionamento com Monaco era ele fazer doações na live e a gente respondia seus comentários. Ele nos doou no máximo R$ 10 mil.">
Já em relação a Ayan, Kataguiri diz que ele era apenas convidado do MBL em palestras ou entrevistas.>
O MBL afirma ainda que não há confusão entre o MRL (uma empresa) e o MBL (uma marca). Renan argumenta que as dívidas de empresas da sua família são anteriores à formação do MBL.>
Para o movimento, a operação é uma retaliação por sua atuação de oposição ao governo federal.>
A investigação do Ministério Público repete postagens no Twitter do perfil bolsonarista Let's Dex, cujo verdadeiro autor é desconhecido e alvo de investigação na CPMI das Fake News.>
O documento da Promotoria traz as mesmas reproduções de tela divulgadas por Let's Dex, que passou a ser identificado entre seus seguidores como "o cara que derrubou o MBL".>
"O promotor foi induzido a erro pelos bolsonaristas", afirma Kataguiri. "Eles querem a hegemonia no campo da direita. Os pontos que batemos são de ética e, como eles não conseguem se defender, querem nos manchar.">
Do lado bolsonarista, também há acusações de montagem de dossiês, que seriam feitos por Ayan, um dos presos na operação contra o MBL.>
O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) já afirmou que Ayan, um ex-apoiador do presidente, é "quem está por trás de toda essa estratégia da CPMI [das Fake News]".>
Segundo os bolsonaristas, dossiês produzidos por ele abasteceram as informações prestadas na comissão pelos deputados Alexandre Frota (PSL-SP) e Joice Hasselmann (PSL-SP) - o que os parlamentares negam.>
A relatora da CPMI, deputada Lídice da Mata (PSB-BA), diz sofrer ataques nas redes por ser associada a Ayan. Ao lado de outros deputados, ela esteve em dois eventos sobre redes sociais dos quais ele participou em 2018 e 2019.>
Contudo, não há registro da participação de Ayan na CPMI. Antes de ser preso, ele próprio disse que contribuiu com a comissão, mas não está por trás da sua existência.>
"A colaboração que eu tenho a dar pra esse pessoal é de como funciona um grupo sectário que decida atuar nas redes sociais e que emule padrões semelhantes ao da alt-right [direita radical]. Isso veio de forma tardia, quando a CPMI já tinha andado bastante", disse.>
Em entrevista ao Diário do Centro do Mundo, Ayan também menciona colaboração com os deputados Joice e Frota.>
Segundo Kataguiri, o objetivo dos bolsonaristas ao atacar Ayan é desmoralizar a CPMI das Fake News e, consequentemente, o inquérito do Supremo.>
"Essa CPMI das Fake News já não tem mais a razão de existir, já não tem mais condições morais de existir. O mentor dela acabou de ser preso hoje envolvido em diversos crimes", afirmou o deputado Eduardo Bolsonaro em vídeo sobre a operação contra o MBL.>
O clima de eleição também motiva ataques em cidades do interior por parte de coordenadores regionais de movimentos bolsonaristas contra líderes locais do MBL, em razão da operação.>
"O MBL vem sangrando nesse último ano. Essa ação da polícia foi o ápice agora", afirma Salomão, do Movimento Conservador.>
Os dois movimentos já chegaram a trocar agressões em uma manifestação na avenida Paulista em maio do ano passado. Embora antagônicos, têm características semelhantes, como grande adesão entre jovens e forte atuação nas redes sociais.>
Para Salomão, não há que se falar de disputa na direita, uma vez que, na opinião dele, o MBL é de centro. "Eles têm um projeto de poder, precisam estar no centro para ter oportunidades. São muito ligados ao DEM, ao MDB", afirma.>
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