Publicado em 17 de agosto de 2024 às 18:06
Dono do SBT, o apresentador e empresário Silvio Santos, morto neste sábado (17/8), aos 93 anos, não deu trabalho apenas para a TV Globo, ao ameaçar por diversas vezes o primeiro lugar de audiência da maior emissora do país. >
Em 1989, o comunicador também incomodou – e muito – o líder das pesquisas para a presidência da República, Fernando Collor de Mello.>
O jovem e ambicioso governador de Alagoas, a despeito de concorrer com um partido pequeno, o Partido da Renovação Nacional (PRN), contava com o apoio declarado da maioria do empresariado e do todo-poderoso presidente das Organizações Globo, Roberto Marinho. >
"Ele [Collor] é mais assentado, mais ponderado e mais equilibrado, com suas boas ideias privatistas (...) Vou influir o máximo possível a favor dele", declarou Marinho, numa rara entrevista à Folha de S. Paulo.>
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A candidatura presidencial de Silvio Santos, oficializada de última hora no dia 31 de outubro de 1989, a duas semanas do primeiro turno, começou a ser gestada a partir de duas disputas, uma política e outra empresarial.>
Apesar de surgir como o nome mais forte para derrotar os dois grandes candidatos da esquerda, Lula e Leonel Brizola, Collor não era uma unanimidade entre o establishment político. Sobretudo por se projetar nacionalmente como um crítico feroz dos donos do poder mesmo sendo fruto da elite política alagoana. >
Filho do senador Arnon de Mello, um dos cardeais da Arena, partido de sustentação da ditadura militar, Collor elegeu como principal alvo de seus ataques o então presidente José Sarney.>
Velha raposa da política brasileira, Sarney decidiu se mexer. Para isso, escalou três cardeais do Partido da Frente Liberal (PFL), Hugo Hugo Napoleão, Edison Lobão e Marcondes Gadelha. O objetivo era tentar convencer Aureliano Chaves, candidato do partido à presidência, com minguados 2% nas pesquisas, a desistir da disputa. >
Ele sairia de cena para dar lugar a um candidato muito mais popular e carismático, conhecido de todos os brasileiros, que entraria no pleito com pelo menos 20% das preferências de votos para fazer frente a Fernando Collor: Silvio Santos.>
Apesar de nunca ter exercido um cargo político, o animador não era propriamente um outsider. Como proprietário do segundo maior canal de televisão do país, mantinha relação estreita com todos os presidentes da República, o próprio Sarney e também os da ditadura militar. >
Foi durante esse período que ele obteve autorização para operar canais de TV no Rio, São Paulo, Porto Alegre e Belém, o que possibilitou ao conglomerado a formação do Sistema Brasileiro de Televisão, o SBT. >
Sarney era elogiado frequentemente no programa "Semana do Presidente". O quadro foi criado em 1981, em pleno mandato do general João Figueiredo, para divulgar os feitos do Planalto, sempre num tom ufanista.>
Silvio Santos havia recusado inúmeros convites para entrar na política. Mas, em 1989, a ideia lhe pareceu tentadora. Mesmo que ele perdesse o segundo turno para um nome da esquerda, uma vitória já estava assegurada: a implosão do candidato preferido da TV Globo e do Ministro das Comunicações, Antônio Carlos Magalhães. >
ACM era dono de uma afiliada da emissora na Bahia e mantinha laços históricos com Roberto Marinho. Com Collor presidente, o abismo que separava a emissora mais poderosa do país das demais concorrentes aumentaria ainda mais.>
Os três escudeiros de Sarney estavam próximos de convencer Aureliano Chaves a ceder a chapa para Silvio Santos – o que só não aconteceu por conta da rápida intervenção do empresário Antônio Ermírio de Moraes. >
O dono do grupo do Votorantim, assim como seus colegas da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), temia que a entrada de Silvio Santos na disputa contribuísse para dividir os votos da direita. Com os votos concentrados em Collor, este campo político tinha representação assegurada no segundo turno do pleito.>
Ermírio de Moraes prometeu a Aureliano Chaves o que nenhum outro cacique do seu partido havia garantido: dinheiro para a sua campanha. Três dias depois do jantar com o dono da Votorantim, Aureliano voltou atrás e manteve a candidatura pelo PFL. Restou a Silvio Santos tentar a disputa em um partido de pouca expressão. >
E assim, depois de uma rápida negociação, ele tomou o lugar do pastor Armando Corrêa, candidato do nanico Partido da Mobilização Nacional (PMB).>
O pedido de registro para a chapa Silvio Santos e Marcondes Gadelha foi feito a apenas 11 dias das eleições. Era época de voto impresso e as cédulas eleitorais já estavam prontas com o nome de Armando Corrêa.>
Problema parcialmente resolvido pelo talentoso animador de auditório. Com pouquíssimos segundos no horário eleitoral, Silvio Santos tentou ser o mais didático possível: “No dia das eleições, não haverá Silvio Santos na cédula. Vocês deverão colocar o X e marcar 26. Por favor, não escrevam na cédula porque anularão o voto”, disse. “E podem acreditar: o Silvio Santos vai lutar por vocês, defender os interesses do povo e o desenvolvimento do Brasil. Quem acredita em mim deve votar no 26.">
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Com a entrada de Silvio Santos na disputa, o temor da FIESP se confirmou. As pesquisas indicaram que o novo postulante tirava votos de Collor. >
A poucos dias do pleito, entraram em cena dois obscuros personagens da política brasileira, ainda desconhecidos dos corredores de Brasília, mas que mais tarde estariam estreitamente ligados a dois processos de impeachment enfrentados por presidentes da República: PC Farias e Eduardo Cunha.>
Tesoureiro da campanha de Fernando Collor, PC Farias colocou em campo um de seus mais aguerridos funcionários, responsável pela arrecadação do comitê de campanha no Rio e que já demonstrava um talento raro para circular entre as esferas de poder. >
Habilidade que rendeu a Eduardo Cunha, ex-economista da Xerox do Brasil, o apelido – dado por PC – de “papabiru”. Mistura de papagaio (por conta do nariz, proeminente) com gabiru, um tipo de rato esperto e traiçoeiro.>
Eduardo Cunha agiu rápido e com enorme eficiência ao descobrir que o partido de aluguel de Silvio Santos, o PMB, não havia promovido convenções em um mínimo de Estados, como mandava a legislação. >
No dia 9 de novembro de 1989, a menos de uma semana das eleições, o Tribunal Superior Eleitoral barrou, por 7 votos a 0, a candidatura de Silvio Santos, deixando livre o caminho para Collor. Agradecido, PC Farias conseguiu para Cunha a presidência da Telerj, a estatal de telefones do Rio.>
Com Silvio Santos fora da jogada, Collor levou o primeiro turno, com 30% dos votos, quase o dobro de votos do segundo colocado, Lula. No segundo, a disputa com o petista foi mais apertada. O candidato do PRN venceu por 53% a 46% e, assim, se tornou o primeiro presidente eleito por voto direto após a ditadura militar.>
Em 1992, três anos depois da frustrada tentativa de chegar à presidência da República, Silvio Santos decidiu entrar novamente para a política. >
Lançou-se como pré-candidato à Prefeitura de São Paulo. De novo, assim como em 1989, os diretores do PFL mexeram os pauzinhos para enfraquecer a sua candidatura, com a diferença de que, desta vez, o apresentador estava filiado ao Partido da Frente Liberal. >
Durante a convenção para escolher o candidato da sigla, o grupo contrário à sua candidatura trocou sopapos e chutes com seus apoiadores. No fim, o deputado Arnaldo Faria de Sá acabaria sendo o escolhido para concorrer à corrida pela prefeitura paulistana, vencida por Paulo Maluf.>
O nome do animador foi cogitado em outras disputas eleitorais. Em 1988, o PFL chegou a ventilar seu nome para concorrer à prefeitura de São Paulo. Dessa vez foi o próprio Silvio Santos que, prevendo novas complicações e boicotes, não se empolgou com a ideia. >
Em 2002, com a iminente vitória de Lula ao Planalto, alguns empresários tentaram vendê-lo como o único candidato com chances de derrotar o PT. Silvio animou-se, mas, de novo, não conseguiu criar musculatura partidária para seguir adiante.>
Nos bastidores, porém, nunca deixou de exercer imenso poder, mantendo boas relações com todos os presidentes, independente da coloração ideológica. >
Lula lamentou a sua morte: "A maior personalidade da história da televisão brasileira". Com Jair Bolsonaro a proximidade foi muito maior. Em 2020, o então presidente recriou a pasta das Comunicações, extinta quatro anos antes, para entregá-la a Fábio Faria, casada com Patrícia Abravanel, uma das filhas do apresentador.>
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