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É pároco da Paróquia Santa Teresa de Calcutá e Vigário Episcopal para Ação Social, Política e Ecumênica da Arquidiocese de Vitória

Vera Nacif: uma vida a serviço da justiça, da fé e da transformação social

Sua capacidade intelectual, conhecimento técnico e integridade moral permitiram que ela participasse de diversas gestões políticas, assessorando secretários, prefeitos e governadores

  • Kelder José Brandão Figueira É pároco da Paróquia Santa Teresa de Calcutá e Vigário Episcopal para Ação Social, Política e Ecumênica da Arquidiocese de Vitória
Publicado em 23/04/2025 às 13h51
Vera Maria Simoni Nacif
Vera Maria Simoni Nacif. Crédito: Divulgação/Facebook

Há oito dias, na madrugada do dia 16 de abril, a professora Vera Nacif — como era carinhosamente chamada por seus alunos — partiu para a Casa do Pai. Nesta segunda-feira (22), celebramos o sétimo dia de seu falecimento. O ciclo de sua vida terrena foi encerrado, e outro foi iniciado por toda a eternidade.

Uma parte importante da história eclesial, política e social do Espírito Santo foi sepultada com Vera. Ela teve uma atuação intensa e transformadora na Arquidiocese de Vitória (ES) nas décadas de 1970, 1980 e 1990.

Vera foi fundadora, secretária, presidente e conselheira da Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese (CJP). Nesse período, ajudou na organização dos Conselhos de Periferia e Moradia — organismos ligados à Igreja Católica e precursores de movimentos sociais importantes no Estado, como os movimentos de moradia que hoje atuam nas periferias; as associações de moradores; e federações de movimentos populares, como a Famopes e o Movimento de Direitos Humanos.

À frente da CJP, Vera enfrentou com coragem a ditadura militar, acolhendo, encaminhando denúncias e protegendo pessoas perseguidas pelo regime. Com a mesma determinação, confrontou o famigerado Esquadrão da Morte, que agia impunemente no Estado nas décadas de 1970 e 1980, sendo responsável por centenas de homicídios.

Na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), sua atuação foi igualmente relevante. Professora do Departamento de Ciências Sociais, dedicou boa parte de sua trajetória acadêmica ao curso de Direito, sendo responsável pela disciplina Sociologia Aplicada ao Direito. Sua presença, ao lado de seu fiel companheiro de academia e de vida — o professor João Batista Herkenhoff, seu compadre — foi fundamental na formação da consciência crítica de muitos alunos, em um curso tradicionalmente marcado por uma matriz positivista e processualista.

Foi por suas mãos que eu, e tantos outros estudantes, conhecemos o “Direito Achado na Rua”, de José Geraldo de Souza Jr.; a “Pasárgada”, de Boaventura de Sousa Santos; e o brilhante J. J. Calmon de Passos, que pudemos conhecer pessoalmente graças às suas iniciativas acadêmicas.

Vera se somou aos alunos na luta pela abertura do currículo do curso de Direito, que hoje conta com disciplinas sociais e humanas, além da própria Sociologia Aplicada ao Direito. Suas iniciativas na universidade foram muitas e deixaram marcas profundas.

Sua capacidade intelectual, conhecimento técnico e integridade moral permitiram que ela participasse de diversas gestões políticas, assessorando secretários, prefeitos e governadores. Vera transitou por todas as esferas políticas, contribuindo significativamente para a formulação de políticas públicas municipais, estaduais e federais.

Pesquisadora do Instituto Jones dos Santos Neves, foi subsecretária de Assistência Social no município de Vitória, Secretária de Agricultura e do Trabalho no Estado e, junto com a primeira-dama Ruth Cardoso, idealizou e colaborou na implantação do projeto federal Comunidades Solidárias.

Dedicou parte de sua vida à implantação da política da Criança e do Adolescente no Espírito Santo, contribuindo para a criação e gestão do Conselho Estadual da Criança e do Adolescente, órgão que presidiu na década de 2000.

Durante sua atuação na Secretaria de Segurança Pública do Estado, iniciou o processo de organização do Conselho Estadual de Segurança — projeto que, se tivesse sido concluído e efetivado pelo governo, poderia ter evitado muitas mortes causadas por ações policiais nos últimos anos, além de colaborar na elaboração de políticas de segurança mais adequadas às diferentes realidades urbanas.

Vera também foi peça-chave na organização das políticas de defesa do consumidor no Estado, com a criação do Instituto Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor do Espírito Santo (PROCON-ES), e teve papel fundamental na construção das políticas de Segurança Alimentar e Nutricional no Espírito Santo.

Nos últimos anos em que assessorou o governo, esteve próxima dos povos tradicionais, acompanhando comunidades quilombolas e aldeias indígenas. Nesse mesmo período, dedicou-se ao estudo da primeira infância, com o objetivo de formular políticas públicas voltadas para esse segmento tão específico e vulnerável.

Vera também contribuiu para o fortalecimento da Agricultura Familiar, apoiando a organização das escolas agrícolas no Espírito Santo, fomentando o desenvolvimento rural sustentável e a formação técnica de jovens do campo.

Foi uma das articuladoras da criação da Casa dos Conselhos, espaço fundamental para a articulação e fortalecimento do controle social e da participação cidadã nas políticas públicas do Estado.

Ao celebrar o Sétimo Dia de Falecimento dessa mestra e amiga tão querida, presto este pequeno tributo à minha “fessora” — como eu a chamava carinhosamente —, recordando uma pequena parcela de seu legado, que certamente não se esgota aqui, e que eu sequer teria condições de abarcar, devido à sua imensidão e importância.

Serei eternamente grato à professora Vera Nacif por ter me ensinado “a traduzir a ciência em Evangelho”, como tão bem me apontou sua amiga, a professora Eugênia Raizer. Foi a professora Vera quem me abriu as portas da dimensão social da fé. A ela dedico as ações ministeriais que realizo como padre há 25 anos e como Vigário Episcopal para Ação Social da Arquidiocese de Vitória-ES.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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