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É advogado desde 2014, negro, mestre em História (Ufes), professor universitário e sócio do Lucas Neto & Stella Mergár Sociedade de Advogados.

“Será que fosse um branco...”: quando o racismo estrutural mata

O que levou o atirador a, supostamente, crer que Durval Filho era um assaltante foi o fato de que estava mexendo em uma mochila, mas isso só se tornou suspeito por causa da cor da sua pele

  • Lucas Francisco Neto É advogado desde 2014, negro, mestre em História (Ufes), professor universitário e sócio do Lucas Neto & Stella Mergár Sociedade de Advogados.
Publicado em 09/02/2022 às 14h00
Racismo
Durval Filho, assassinado por seu vizinho, um sargento da Marinha, enquanto chegava ao condomínio onde reside . Crédito: Reprodução/Redes sociais

Recebemos assustados, na última semana, a notícia de que um homem negro, Durval Filho, foi morto por seu vizinho, um sargento da Marinha, enquanto chegava ao condomínio onde reside. O homem assassinado tinha 38 anos, era pai e trabalhava em supermercado. Anteriormente morador de uma comunidade mais periférica, resolveu morar naquele endereço para fugir da violência que atingia de maneira mais cruel sua comunidade.

A tragédia aumenta quando constatamos que foi exatamente no seu refúgio que o sintoma mais trágico da violência o encontrou. O sargento da Marinha Aurélio Alves Bezerra atirou três vezes contra Durval Filho e alegou que o confundiu com um bandido. Embora pudéssemos aprofundar a discussão de quanto o uso irrestrito de armas por parte da população pode destruir vidas, e em especial vidas inocentes, o que marca essa história é que Durval era um homem negro.

A frase presente no título foi dita pela irmã da vítima: “Será que fosse um branco”. Estamos certamente diante da “atitude suspeita”. Pouco se fala sobre isso, mas o que comumente se chama de atitude suspeita nada mais é que reflexo do racismo estrutural. O que levou o atirador a, supostamente, crer que Durval era um assaltante foi o fato de que estava mexendo em uma mochila, mas isso só se tornou suspeito por causa da cor da sua pele. Afinal de contas no Brasil o fenótipo nos põe sempre em suspeita.

Mas é preciso deixar explícito que a culpa disso tudo não é de Aurélio e nem tão pouco sua ou minha. Carregamos em nossos ombros o peso e a marca de termos sido uma sociedade escravocrata por 400 anos, o último país do mundo a abolir definitivamente a escravidão, e o fez sem estabelecer uma política pública de inclusão. Uma frase foi suficiente para tentar apagar 4 séculos de uma história triste e sangrenta.

A “bondade cruel” da princesa só poderá ser efetivada através do estabelecimento e do avanço das políticas de inclusão e educação existentes. Nesse sentido, em 28 de outubro do último ano, o Supremo Tribunal Federal decidiu que racismo é um conceito amplo e que seu bojo abarca todas as práticas que façam a sua realização.

Com voto contrário do ministro Nunes Marques, a maior corte de justiça do nosso país afirmou que todos os tipos penais que descrevam condutas que possam ser incluídas no conceito de racismo serão por consequência, inafiançáveis, imprescritíveis e insusceptíveis de anistia, graça ou indulto.

Decisões como essa nos dão esperança de que Durval possa ser contado como um dos últimos brasileiros a serem considerados suspeitos por serem negros e estar fora do lugar que o racismo lhes reservou, o lugar da precariedade, da miséria e da violência. Unidos podemos mostrar que o Brasil é mais que esses 400 terríveis anos da escravidão.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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