Há estudos que comprovam que quase a metade dos acidentes de trânsito no Brasil ocorre devido ao descumprimento da legislação vigente. Isso inclui excesso de velocidade, uso do celular ao volante, desrespeito à sinalização e condução sob efeito de álcool.
Esses comportamentos não são apenas infrações administrativas: muitos configuram crimes de trânsito, previstos no Código de Trânsito Brasileiro (CTB), Lei nº 9.503/1997, que estabelece normas para circulação segura e penalidades severas para condutas de risco.
O CTB é composto por 341 artigos distribuídos em 20 capítulos e, atualmente, um anexo, complementado por centenas de resoluções do Conselho Nacional de Trânsito (Contran). O documento define desde os direitos e deveres dos condutores e pedestres, até os crimes de trânsito, como homicídio culposo e embriaguez ao volante, passando por infrações e penalidades (multas, pontos, suspensão e cassação da CNH).
Posteriormente, leis complementares, como a Lei Seca (leis nº11.705/2008, 12.760/2012 e 13.281/2016), alteraram o CTB e definiram a tolerância zero para álcool, dobrando multas e prevendo pena de prisão, em casos graves. Em 2024, o Brasil registrou mais de 75 milhões de infrações de trânsito, segundo a Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran), o que corresponde a 2,37 multas por segundo.
No mesmo ano, o Conselho Nacional de Justiça registrou mais de 116 mil processos por crimes de trânsito, apenas nos primeiros oito meses do ano - o que equivale a 480 novos processos por dia, que vão de homicídio culposo e embriaguez ao volante a omissão de socorro.
É fato que, desde as primeiras civilizações, as leis surgiram para garantir ordem social e a proteção coletiva. Iniciativas como o Código de Hamurabi, datado de 1.750 a.C, até o Direito Romano, base de grande parte das sociedades ocidentais, demonstram uma das finalidades do Estado de assumir o poder de punir para garantir segurança jurídica, justiça, paz social e a prosperidade da nação.
É fato, também, que países com leis claras e fiscalização rigorosa, como o Japão e a Suécia, apresentam taxas baixíssimas de mortes no trânsito – dois a três por 100 mil habitantes contra 18 por 100 mil no Brasil. Seriam as leis a chave para reduzir acidentes, mortes e lesões?
Apesar da robustez jurídica, os números mostram que a legislação, por si só, não garante segurança. O problema é comportamental: 90% dos acidentes têm origem na imprudência, como distração, excesso de velocidade e desrespeito à sinalização. A percepção de impunidade e a cultura de “flexibilização” das regras alimentam condutas de risco.
Embora as leis sejam essenciais para definir limites e condutas aceitáveis, proteger direitos fundamentais e prevenir delitos por meio do risco da punição, sua eficácia depende de aplicação consistente, com celeridade e fiscalização; educação e mudança comportamental e infraestrutura institucional que garanta a justiça.
Ou seja, a lei é a base da ordem social, mas a segurança viária exige educação contínua para condutores e pedestres; fiscalização rigorosa e aplicação efetiva das penalidades e tecnologia e campanhas de conscientização para reforçar comportamentos seguros.
Sabe-se que leis rigorosas sem fiscalização igualmente forte não reduzem os acidentes. A importância da fiscalização foi demonstrada no estudo “Mortalidade no trânsito, desenvolvimento econômico e desigualdades regionais no Brasil”, publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que mostra que para cada acréscimo de um policial por mil habitantes, há uma redução média de 3,4 mortes por 100 mil habitantes, anualmente.
No entanto, ainda esse acréscimo seria insuficiente, pois é impossível fiscalizar todo mundo o tempo todo. Urge uma mudança cultural, a qual pode ser impulsionada desde já pela educação no trânsito.
O que salva vidas, efetivamente, é o cumprimento das normas já existentes, o reforço dos comportamentos seguros e o investimento em campanhas e tecnologias. O Brasil conta com leis rígidas, mas possui a cultura de flexibilização das regras, o conhecido “jeitinho brasileiro”, o que mostra que não basta ter leis: é preciso garantir seu cumprimento e mudar comportamentos. A certeza da punição, aliada à educação para o trânsito, é um dos pilares mais eficazes para reduzir acidentes e salvar vidas. Leis já temos. Falta apenas nos apropriarmos de seu objetivo: mudar comportamentos e atitudes.
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