A recente tragédia em Minas Gerais, onde um policial foi fatalmente atingido por um detento em saída temporária de Natal, reacendeu intensamente o debate sobre a eficácia e a justificativa das liberações temporárias no sistema prisional brasileiro.
Em meio a declarações inflamadas, é crucial compreender a lógica e os objetivos por trás do benefício, que vão além da superficialidade do debate atual.
O cerne das saídas temporárias no sistema prisional reside em sua função ressocializadora, um conceito muitas vezes obscurecido por debates apaixonados. Esse direito não é uma brecha legal ou uma concessão indulgente; ele é uma ferramenta fundamental no processo de reabilitação dos detentos, preparando-os para uma reinserção bem-sucedida na sociedade, já que eles precisam atender a critérios rigorosos, como bom comportamento e cumprimento de parte significativa da pena, buscando beneficiar apenas aqueles com capacidade demonstrada de reintegração.
A lógica subjacente é de que o encarceramento deve visar não só a punição, mas também a reabilitação. Privar um indivíduo de sua liberdade é apenas um aspecto do processo. Para um efetivo cumprimento da pena, é imperativo que o sistema prisional também se dedique a readaptar os presos para a vida fora das grades.
Há quem diga que existem pessoas “irreabilitáveis”, mas assumir que alguns indivíduos são irremediavelmente criminosos e incapazes de mudança significa declarar a falência de nossa sociedade. Essa visão fatalista subestima o potencial humano para transformação e é um desserviço total para a sociedade.
Um relatório recente de um jornal, analisando o comportamento de quase 57 mil detentos que foram liberados temporariamente durante o período natalino em 18 unidades federativas, revelou que menos de 5% não retornaram às suas instituições prisionais.
Esses números devem ser contextualizados. Eles mostram que a vasta maioria dos detentos – mais de 95% – respeitou os termos de suas saídas temporárias e retornou ao sistema prisional. Esse alto índice de conformidade sugere que, para a maioria, as saídas temporárias são vistas como uma responsabilidade séria e uma oportunidade valiosa para a reintegração gradual na sociedade.
Ainda, é essencial destacar que qualquer caso de não retorno ou de crime cometido durante uma saída temporária é extremamente grave e merece atenção. Todavia, esses incidentes não devem ser usados para desacreditar toda o sistema, mas sim para refinar e aprimorar os critérios e processos de seleção e monitoramento.
Em vez de eliminar uma prática que demonstra sucesso na grande maioria dos casos, o foco deve estar em melhorar a avaliação de riscos e fortalecer as estratégias de acompanhamento, de forma a buscar que esse instituto de fato cumpra ainda mais seu papel ressocializador.
O populismo que se alimenta de emoções e reações imediatas, utilizando frequentemente o medo como ferramenta para ganhar apoio e promover agendas políticas específicas, se aproveita de discussões relevantes para a sociedade e faz um uso político e ideológico indevido de temas de grande impacto social, distorcendo a realidade e comprometendo uma avaliação objetiva das estratégias de reabilitação prisional, criando uma percepção mentirosa de que essas práticas são inerentemente perigosas e falhas.
Essa abordagem sensacionalista simplifica um tema complexo, construindo uma narrativa de “bandidos versus cidadãos de bem”, que é notoriamente redutora e enganosa. Esse medo gerado pode impulsionar uma demanda por políticas mais duras e punitivas, sem a devida consideração de sua eficácia ou humanidade.
Portanto, é crucial que a discussão sobre as saídas temporárias seja conduzida de maneira informada, equilibrada e baseada em fatos, para garantir que as políticas adotadas sejam eficazes na promoção da segurança pública e na reabilitação dos detentos. Somente assim podemos esperar alcançar um sistema de justiça penal que seja efetivamente centrado no ser humano.
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