O episódio das duas irmãs presas em um supermercado do Espírito Santo por suspeita de furto de chocolates e outros produtos acendeu um debate que vai além do simples fato narrado.
Liberadas em audiência de custódia, elas foram autuadas por furto qualificado, conforme previsto no artigo 155, §4º, IV, do Código Penal, que trata da prática cometida mediante concurso de pessoas. A situação, aparentemente banal, revela um dilema jurídico e social: até onde o sistema penal deve ir na resposta a condutas como essa?
É importante destacar que crimes patrimoniais, em diferentes proporções, acontecem todos os dias no Brasil e no Espírito Santo, e não se restringem a uma camada social específica. Do pequeno furto em estabelecimentos comerciais a desvios de vultosas somas de dinheiro público, a violação da lei é transversal, atingindo ricos e pobres. Contudo, é a população mais vulnerável que, em regra, sente o peso imediato da repressão estatal.
No Brasil, a prisão preventiva só pode ser decretada em casos em que a pena máxima ultrapasse quatro anos de reclusão, nos termos do artigo 313 do Código de Processo Penal. Como o furto qualificado prevê condenação superior a esse limite, a prisão em flagrante pode evoluir para preventiva, ainda que a medida seja exceção. É justamente aí que surge a necessidade de cautela. A prisão não pode ser banalizada, mas também não se deve transmitir à sociedade a sensação de que determinadas condutas ficam sem resposta.
As audiências de custódia, muitas vezes criticadas, mostram sua relevância em situações como esta. Foi nesse espaço que o Judiciário avaliou as circunstâncias e decidiu pela liberdade provisória das suspeitas. O procedimento evita prisões desnecessárias e permite que a pena, quando cabível, seja substituída por medidas alternativas. É provável que as irmãs enfrentem um acordo de não persecução penal ou outra forma de conversão da sanção, mas isso não significa que o fato ficará sem consequências.
O ponto central é compreender que não pode haver impunidade. O direito à ampla defesa precisa ser assegurado, mas a responsabilização também deve ocorrer, ainda que por meios menos severos do que a privação de liberdade. O sistema de justiça não pode se tornar instrumento de exclusão, punindo apenas os mais frágeis, nem pode transmitir a ideia de perdão automático, sem aprendizado coletivo.
O caso deve servir de reflexão. De um lado, reafirma que a lei se aplica a todos, independentemente da motivação do ato. De outro, demonstra que o Direito é também ferramenta de equilíbrio, capaz de indicar caminhos para reabilitação, perdão e mudança de comportamento. A função essencial da Justiça não é apenas punir, mas orientar a sociedade sobre valores comuns e limites de convivência.
Seja um furto de chocolates, seja um grande escândalo financeiro, o que se espera é que a Justiça funcione de maneira uniforme, garantindo direitos, impondo responsabilidades e apontando possibilidades de transformação. Esse é o verdadeiro pilar de uma sociedade civilizada e organizada: a certeza de que todos são iguais perante a lei, mas também de que todos têm a chance de aprender com seus erros.
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