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É professor de Língua Portuguesa, diretor-presidente do UP Centro Educacional e músico

Qual algoritmo está educando nossos filhos?

Adolescentes são suscetíveis a adotar os comportamentos e os trejeitos do grupo ao qual pertecem. Na verdade, todos nós temos a mesma tendência

  • Fábio Portela É professor de Língua Portuguesa, diretor-presidente do UP Centro Educacional e músico
Publicado em 17/04/2025 às 10h30

Algoritmo é a palavra do momento. Já faz um tempo. Trata-se uma sequência de instruções que organiza e processa informações para entregar resultados relevantes aos usuários do mundo digital. São verdadeira bolhas que não respeitam as diversidades e que limitam possibilidades.

Explico.

Desde o documentário "O Dilema das Redes" (Netflix), muito se discute sobre o consumo do mundo digital por crianças e por adolescentes, sobretudo. Muitas dessas discussões tomando como base clichês do tipo “todo adolescente é problemático, é estúpido”, “geração fraca”, “cheios de mimimi”.

Muitos que, assim como eu, convivem todos os dias com adolescentes costumam concordar com isso; eu, não.

É preciso aprofundar a discussão. Que tal um análise do adolescente em meio aos amigos e/ou ao grupo ao qual ele pertence? Afinal, a evolução nos trouxe até aqui como seres sociais. A convivência direta com o próximo induz comportamentos e percepções de mundo. A imersão digital sem controle vai de encontro a isso quando, comprovadamente, subtrai traços essenciais da humanidade. Estudos recentes mostram que crianças e adolescentes viciadas em redes sociais já não conseguem mais, por exemplo, reconhecer as emoções de outro ser humano.

Assustador, mas, ainda, reversível. Por meio de abstinência digital e de convívio social, é possível resgatar essa básica e essencial competência humana.

Afinal, adolescentes são suscetíveis a adotar os comportamentos e os trejeitos do grupo ao qual pertecem. Na verdade, todos nós temos a mesma tendência.

Na década de 60, importantes experimentos, conduzidos pelo psicólogo Solomon Asch, demonstraram que 75% dos participantes de um estudo desprezavam suas próprias percepções e opiniões e se conformavam com a maioria. A pegadinha é que todos os participantes, exceto um, eram contratados por Asch e emitiam opinões absurdas sobre assuntos óbvios e básicos.

Comprovou-se, então, que o ser humano tende à conformidade e à adoção da opinião de seu grupo, ainda que isso seja absolutamente paradoxal com o próprio julgamento original. Claro. Os mais conformados são mais queridos e idolatrados pelo bando.

Bom? Ruim? Depende.

O contexto dirá. Por exemplo, todos admiram pessoas altruístas e que trabalham pelo coletivo. Conformidade positiva!

Ao mesmo tempo, se alguém abdica da criticidade e abandona os próprios filtros em prol de uma concordância absoluta com o grupo, os prognósticos podem ser perigosos. Vide o nazismo.

Crianças, adolescente e adultos podem se tornar vítimas do sextorsão, conhecido também como pornografia de vingança.;
Crianças e adolescentes. Crédito: rawpixel.com / Teddy

série Adolescência (Netflix) nos amedrontou nos últimos dias. Em cada canto do Brasil, pais e educadores levantam reflexões sobre o mundo digital, mais especificamente, sobre as redes sociais e de como elas desenvolvem nessa geração comportamentos distorcidos, violentos ou suicidas.

Com racionalidade , é possível compreender o mecanismo por trás desse fenômeno e, claro, evitá-lo.

A estupidez do adolescente em questão diante dos amigos reflete a já citada tendência humana ao conformismo.

Todo adolescente sente, em algum momento,  que o núcleo familiar apenas não vai sanar suas curiosidades acerca do mundo (social, sexual, etc.). Nessa hora, ele se abre a passa a se dedicar a participar de novas tribos. Rituais de aceitação, novas culturas, novas possibilidades. E, se tanta gente pensa na forma X, essa passa a ser a verdade do momento. Eis, novamente, a conformidade.

Faz tempo que é assim. Pais e avós de hoje já horrorizaram o mundo num passado recente. Movimentos culturais (Tropicalismo, Hippie, Woodstock) dotados de vestimentas “afrontosas”, de liberalismos sem filtro, de sexo, de drogas e de rock and roll já deixaram pais e avós do passado amedrontados com o futuro daquela geração. Entretanto, com uma crucial diferença: não estávamos na era das redes, diante da visibilidade do comportamento nos grupos analógicos em oposição à invisibilidade do comportamento dos grupos digitais.

A série, de forma genial, foca o fato de que num quarto dentro de casa ninguém sabe o que o filho está fazendo. Agora, sabe: absorvendo e se conformando para se conectar com um novo bando. O perigo é que, quando a ponta do iceberg surge, é tarde demais. E pensar que filho no quarto já foi sinônimo de total segurança familiar...

Essa ausência de filtros está, sem dúvidas, diretamente atrelada a muitos dos problemas atuais com jovens e adolescentes. Repito o citado no início: os algoritmos foram programados para reunir grandes grupos homogêneos, pois quem pensa diferente não está conectado com os demais. Com o passar do tempo o grupo desenvolve um pensamento coletivo monolítico, que passa a ser verdade e cultura (incluindo religião) para seus membros. Assim, nascem as bolhas.

A série explorou a manifestação de um grupo de meninos adolescentes com dificuldades de se relacionar com o sexo feminino. Os incels, ou celibatários involuntários, que desenvolvem uma cultura misógina e violenta. Recentemente, o neurocientista Billy Nascimento provocou a seguinte reflexão: “você sabe qual algoritmo está criando seu filho?”. Pergunta sábia e brilhante!

Mas e aí? Como evitar que a conformidade inata dos jovens possa produzir comportamentos sociais nocivos? A resposta não é tão difícil de elaborar, mas é dificílima de implementar.

O primeiro passo é, sem dúvidas, restringir o acesso às redes sociais para menores de 16 anos. A seguir, temos de ensinar aos adolescentes, no mundo real, como funciona a conformidade e como ela pode ser uma armadilha.

Por fim, todos os estudos comprovam que grupos dotados de diversidade são grupos mais inteligentes. Não há espaço para pensamentos misóginos em grupos com a presença maciça de mulheres, coisa muito fácil de ensinar aos algoritmos. Portanto, leis sobre diversidade são tão importantes no mundo digital como são no mundo real.

É fundamental refletir, não apenas para nossos jovens, mas para nós mesmos, quanto espaço temos dado a quem pensa diferente, quanto de conformismo inconsciente tem regido secretamente nossas vidas. Manter sempre um contestador por perto pode nos livrar da estupidez. Quem sabe, após essa reflexão, possamos nos reaproximar e formar bandos mais diversos e inteligentes. E, assim, claro, evoluir!

"Adolescência" não é sobre um assassinato nem sobre uma escola desorganizada. Muito menos sobre um policial dedicado a desvendar um crime chocante. A série é sobre nós, pais de filhos lindos, que merecem atenção e cuidado.

Dia desses, conversando com minha esposa, decidimos, por acaso, que nós mesmos iremos cuidar de perto de educar nossas meninas, que têm hoje 3 e 2 anos. Não será um algoritmo bolhudo e conformado.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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