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É advogada, mestra em direitos e garantias fundamentais e consultora de políticas e direitos para mulheres

Presidente Lula, representatividade não é perfumaria

Com a nomeação de dois homens para o Tribunal Superior Eleitoral, a partir de uma lista quádrupla em que havia outras duas mulheres, reforçada está a necessidade de contestação e indignação

  • Renata Bravo É advogada, mestra em direitos e garantias fundamentais e consultora de políticas e direitos para mulheres
Publicado em 26/05/2023 às 11h14
O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva
O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva. Crédito: MANU FERNANDEZ/AP

Presidente Lula, “não querer ter um compromisso com nomeação de mulheres e pessoas negras agora” para o STF não é uma escolha possível, como disse há mais ou menos um mês. E nesta quarta-feira (24), com a nomeação de dois homens para o Tribunal Superior Eleitoral, a partir de uma lista quádrupla em que havia outras duas, reforçada está a necessidade de contestação e indignação.

Depois do marco imagético que foi a posse, com o povo brasileiro subindo a rampa e passando a faixa a você, não há espaço para uma falta de compromisso, especialmente nessa virada de chave após tanto desprezo, desmonte e violência institucionalizada nesses últimos seis anos no Brasil. Não podemos nos igualar ao que foi de pior no passado, e para isso basta lembrar da foto dos ministros do Temer após o golpe de 2016, sem nenhuma mulher.

Nossa Constituição estabelece que compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda dessa mesma Constituição. Aqui caberiam páginas e mais páginas do que isso significa, mas me limito aos direitos e garantias fundamentais dispostos no artigo 5º e aos objetivos fundamentais previstos no artigo 3º, em especial construir uma sociedade livre, justa e solidária; erradicar a pobreza e reduzir as desigualdades sociais e regionais; e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Como pode ser plausível não assumir o compromisso de ter pessoas no STF que efetivamente representem a população brasileira para realizar a guarda da Constituição? Como não reconhecer que de 1988 até hoje muitos dos direitos previstos na Constituição não estão efetivados talvez por falta de pluralidade de vivências e histórias nas cadeiras da Corte Suprema?

Toda instituição é o reflexo da nossa sociedade, e a gente não pode crer que o STF e todos os outros tribunais reflitam, hoje, a sociedade brasileira, de maioria de mulheres e pessoas negras.

A representatividade não é perfumaria, mero detalhe ou babaquice ou brincadeira para “fazer manifestação na frente da PUC”, como disse também no mês passado no Twitter a estimada jornalista Barbara Gancia. Não é perfumaria a defesa da paridade e representatividade, da aplicação justa do Direito fugindo da falácia da neutralidade, do julgamento com perspectiva de gênero.

O Direito foi feito por homens brancos para homens brancos. Passou da hora de mudar o cenário, que é uma foto, mas também o reflexo de como a nossa sociedade é vista, interpretada e julgada. É preciso mudar a epistemologia, é preciso que a produção da verdade seja feminista, negra, indígena, de pessoas com deficiência, de pessoas lgbt+. É preciso ouvir o outro lado da história, que até o momento foi contada pelos vencedores: homens, brancos, heterossexuais e ricos.

Presidente Lula, não assumir o compromisso com a nomeação de ministras negras para o Supremo Tribunal Federal é ignorar o trabalho que o lobby do batom teve para garantir direitos de mulheres na Constituição de 1988, é ignorar que o último governo derrotado tinha como alvo maior de violências e desmonte de políticas públicas as mulheres, é ignorar todo o trabalho de representatividade e competência de suas atuais ministras e ministros, é ignorar o achincalhamento misógino construído contra a presidenta Dilma.

Se não enfrentarmos com seriedade, ouvirmos atentamente as críticas construtivas e assumirmos o efetivo compromisso com o povo brasileiro, em toda a sua diversidade e pluralidade, estamos fadados a repetir um passado nem tão distante, infelizmente.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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