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É advogado criminalista, pós-doutor em Direito Penal (Goethe-Universität) e em Criminologia (Universität Hamburg), professor da FDV

Os limites de uma anistia no caso 8 de janeiro

Uma anistia ampla poderia ser interpretada como sinal de conivência com ataques à democracia, enfraquecendo a confiança nas instituições e estimulando novos episódios de violência política

  • Raphael Boldt É advogado criminalista, pós-doutor em Direito Penal (Goethe-Universität) e em Criminologia (Universität Hamburg), professor da FDV
Publicado em 04/09/2025 às 11h32

O debate sobre a possibilidade de uma anistia aos envolvidos nos atos de 8 de janeiro de 2023 traz à tona um dos temas mais sensíveis do direito constitucional e penal: até onde vai o poder político de perdoar crimes sem comprometer a democracia?

A Constituição brasileira prevê a anistia como competência exclusiva do Congresso Nacional (art. 48, VIII). Historicamente, ela foi utilizada em contextos de reconciliação política, como a anistia de 1979, que buscou pacificar tensões da ditadura militar. Contudo, a anistia não é ilimitada.

O Supremo Tribunal Federal se manifestou anteriormente sobre o tema, ao condenar o ex-deputado Daniel Silveira por atentar contra o regime democrático. Ao anular a anistia concedida pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, em 2022, o ministro Dias Toffoli afirmou na sentença “não vislumbrar coerência interna em ordenamento jurídico-constitucional que, a par de impedir a prescrição de crimes contra a ordem constitucional e o estado democrático de direito, possibilita o perdão constitucional aos que forem condenados por tais crimes”.

No caso em questão, diversos envolvidos foram denunciados por crimes como abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e dano qualificado ao patrimônio público. Embora delitos patrimoniais pudessem, em tese, ser alcançados por uma anistia, os crimes contra o regime democrático encontram barreiras constitucionais explícitas. Uma lei que pretendesse perdoar tais condutas seria alvo certo de questionamento no STF, sob risco de ser declarada inconstitucional.

Outro ponto relevante é o princípio da separação dos Poderes. Se o Legislativo pode deliberar sobre anistia, cabe ao Judiciário controlar sua compatibilidade com a Constituição. Não se trata, portanto, de mera decisão política, mas de um ato sujeito a limites jurídicos claros.

Bolsonaristas invadem Congresso, STF e Palácio do Planalto
Bolsonaristas invadem Congresso, STF e Palácio do Planalto. Crédito: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Por fim, é preciso considerar os efeitos simbólicos. Uma anistia ampla poderia ser interpretada como sinal de conivência com ataques à democracia, enfraquecendo a confiança nas instituições e estimulando novos episódios de violência política. O direito de perdoar não pode se tornar o direito de esquecer a gravidade de uma tentativa de subversão da ordem constitucional.

Assim, a discussão sobre anistia no caso 8 de janeiro deve ser conduzida com rigor jurídico e responsabilidade histórica: a democracia pode e deve conviver com divergências, mas não pode se permitir fragilizar diante de quem tentou destrui-la. Nas palavras do filósofo austríaco Karl Popper, “a tolerância ilimitada leva ao desaparecimento da tolerância”.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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