O South by Southwest cruzou o Atlântico e ganhou sua primeira edição europeia: o SXSW London. O evento ocupou as ruas, galpões e espaços criativos do bairro de Shoreditch, no leste de Londres – uma região conhecida por sua efervescência cultural, startups, arte urbana e espírito alternativo.
O SXSW londrino teve uma pegada mais compacta, urbana e contemporânea, com instalações imersivas, ativações pelas ruas e trilhas de conteúdo distribuídas por prédios industriais transformados em palcos e centros de convivência. Mesmo debaixo de chuva (como manda a tradição britânica), o evento não perdeu o ritmo: painéis lotados, filas para experiências e um público diverso, com representantes de todo o mundo.
Essa nova edição manteve o DNA original do festival – cruzar tecnologia, criatividade, cultura e impacto social –, e com uma curadoria que refletiu o espírito do momento: mais foco em ética, intergeracionalidade, bem-estar mental, inclusão e a responsabilidade das grandes empresas com o mundo que estamos criando.
Cinema, música e reinvenção
O SXSW London foi palco de estreias e performances que expandiram a experiência do festival. Orlando Bloom e Bryce Dallas Howard apresentaram Deep Cover, um thriller policial com toque de comédia. Já Idris Elba lançou Victory, um visual álbum cocriado com o lendário rapper Slick Rick. A produção, que combina música e cinema em um filme de 30 minutos, traz participações de nomes como Nas, Giggs e Estelle, e celebra a herança do hip hop com uma abordagem contemporânea.
Fora das telas, Idris Elba ainda comandou uma sessão como DJ em uma das festas mais animadas do evento. Tinie Tempah levantou o público com um set que misturou grime, hip hop e hits da cena londrina. Ao longo da semana, centenas de shows tomaram conta de Shoreditch, ocupando galpões, clubes e espaços abertos com apresentações de artistas do Reino Unido e do mundo todo, em uma verdadeira celebração da música ao vivo em sua forma mais pulsante.
Arte, ancestralidade e tecnologia: o poder de imaginar futuros
A arte no SXSW Londres não foi entretenimento secundário, mas um campo central de reflexão e provocação. Exposições como Grounding, Beautiful Collisions e LDN LAB usaram o corpo, os sentidos e o digital para desafiar nosso entendimento sobre identidade, território e natureza.
Em Grounding, o artista Damian Roach combinou física quântica, IA generativa e design sensorial para reconstruir a percepção da paisagem como algo instável, entre o código e a consciência. Já Beautiful Collisions propôs uma imersão sensível nas memórias da diáspora africana, tocando em temas como deslocamento, pertencimento e reinvenção cultural. E LDN LAB funcionou como vitrine das fronteiras entre arte e algoritmo, com obras de nomes como Beeple, Warhol e Abramović.
Essas experiências apontam para algo mais profundo: a arte, quando mediada por tecnologia, continua sendo uma linguagem capaz de expandir a empatia, e nos lembrar que futuros possíveis começam na imaginação.
IA como ferramenta, não como inimiga
A inteligência artificial atravessou praticamente todas as trilhas do festival, e o recado foi claro: não se trata de “substituição”, mas de ampliação de repertório e responsabilidade.
Björn Ulvaeus, do ABBA, resumiu bem ao dizer que “a música pop sempre foi sobre tecnologia” e que a IA, agora, apenas amplia o campo da colaboração criativa. Ele revelou estar trabalhando em um musical “assistido por IA”, já 75% pronto, em que algoritmos contribuem para o processo, mas não substituem o olhar humano.
No jornalismo, Jessica Sibley, CEO da TIME, explicou como a revista está licenciando seu conteúdo para sistemas como ChatGPT e Alexa, ao mesmo tempo em que desenvolve ferramentas próprias de IA para resumir e adaptar reportagens. A NPR, por sua vez, foi direta: o ChatGPT é o primeiro rival real do Google em como obtemos nossas respostas e até estruturamos perguntas e o nosso pensamento.
Demis Hassabis e o futuro da comunicação cotidiana
No SXSW London, Demis Hassabis, CEO da Google DeepMind, apresentou uma nova ferramenta de inteligência artificial que responde e-mails no estilo do próprio usuário. A proposta é aliviar a sobrecarga da caixa de entrada e automatizar tarefas repetitivas, sem perder o tom pessoal.
Ele descreveu o e-mail como “uma fonte interminável de estresse” e disse que pagaria “milhares de dólares por mês” por uma solução que realmente eliminasse esse problema. Segundo Hassabis, ao resolver questões do dia a dia com eficiência, a IA pode nos devolver tempo e foco para o que realmente importa.
A mensagem que permeou os debates foi de maturidade: é preciso compreender os limites, os vieses e as potências da IA, não como sonho nem como ameaça, mas como uma transição de linguagem que impacta todas as áreas da cultura e do trabalho.
Trabalho: intergeracional, emocional e colaborativo
Um dos temas mais discutidos foi o futuro do trabalho — não apenas em termos de tecnologia, mas de cultura organizacional. O painel sobre reverse mentoring, com líderes da British Airways e Dentsu, trouxe um exemplo poderoso de como a escuta ativa de jovens e grupos minorizados pode transformar empresas por dentro.
A prática, que começou como experimento, já impacta dezenas de lideranças. A Dentsu criou até o cargo de Chief Future Officer, inspirado nos aprendizados vindos das gerações mais novas. A mensagem é clara: inteligência emocional e diversidade não são acessórios — são requisitos para inovação sustentável.
Cultura pop, ciência e biotecnologia
A conversa entre Ben Lamm, CEO da Colossal Biosciences, e Sophie Turner, atriz de Game of Thrones, foi um dos momentos mais comentados. O tema: lobos-terríveis, uma espécie extinta recriada por engenharia genética, que também fez parte do imaginário da série.
A empresa também avança no projeto de recriação do dodô e do mamute, levantando questões sobre conservação, bioética e o papel da ciência na correção de danos ambientais. Ao unir cultura pop e biotecnologia, o painel mostrou que o futuro exige pontes entre campos antes isolados.
E teve Brasil em Shoreditch
A campanha Varzenal, da OMO Brasil e Arsenal FC, foi um dos grandes acertos do festival. Inspirada no futebol de várzea brasileiro, a instalação levou a estética das periferias ao coração de Shoreditch, com cadeiras vermelhas, funk, grafite e uma experiência interativa com robôs da Boston Dynamics.
Mais do que uma ação divertida, foi uma mensagem potente: se sujar faz bem não é apenas um slogan, é uma filosofia que entende o valor do brincar, da rua, da comunidade. Ao destacar talentos jovens e realizar um torneio com times amadores no estádio do Arsenal, a campanha reforçou o papel social da marca – com sotaque brasileiro e inteligência criativa.
Bem-estar, cultura e corpo em transformação
O festival também abriu espaço para debates sobre comportamento, consumo e saúde mental sob a lente da cultura. A plataforma MakeLoveNotPorn, apresentada por Cindy Gallop, propôs uma transformação no conteúdo adulto: mais real, mais inclusiva e mais educativa. “Se o pornô é Hollywood, nós somos o documentário necessário”, provocou.
A sessão The Mental Health Crisis trouxe dados robustos da Child Mind Foundation sobre o impacto positivo da terapia cognitivo-comportamental, especialmente entre adolescentes. Já o painel “Ozempic & Friends” discutiu os efeitos colaterais emocionais do uso de medicamentos para emagrecimento, revelando como corpo, saúde e autoestima estão no centro de uma renegociação cultural intensa, especialmente nas redes sociais.
Essas conversas mostraram que cultura pop e bem-estar não estão em extremos opostos: são campos que hoje se retroalimentam. E que, para navegar esse novo cenário, precisamos de narrativas mais responsáveis, diversas e humanas.
Um chamado à ação: natureza, juventude e impacto social
Em um dos momentos mais emocionantes do festival, a primatóloga e ativista Dame Jane Goodall subiu ao palco para lembrar o que está em jogo: “Ainda há esperança — se cada um fizer a sua parte.” Ela alertou para a desconexão crescente entre gerações urbanas e o mundo natural, e reforçou que cuidar do planeta é também cuidar do futuro da humanidade.
Já Idris Elba, além de artista, apresentou a Akuna — sua plataforma de impacto social voltada para jovens criadores africanos. A empresa oferece desde ferramentas de pagamento com blockchain até programas de formação criativa. Idris também é cofundador da Talking Scripts, uma iniciativa para apoiar atores com TDAH e dislexia em seus processos de preparação. O foco é claro: acesso, inclusão e criação com propósito.
Uma grande estreia
Mais do que um festival, o SXSW Londres 2025 funcionou como um espelho do nosso tempo. Um retrato das tensões, perguntas e possibilidades que moldam esta década. Ao atravessar temas como inteligência artificial, direitos autorais, cultura ancestral, diversidade geracional e saúde mental, o evento mostrou que imaginar o futuro não é mais um luxo — é uma necessidade coletiva.
Londres provou que sabe fazer isso com estilo, substância e um olhar afiado para o que realmente importa.
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